Setor Português 12/05/2016

Temer divide o governo com o Congresso

Valor Econômico
Jornalista: Raymundo Costa

O desenho do ministério de um eventual governo de Michel Temer é o retrato fiel do que do que esse paulista de 75 anos pensa sobre a governabilidade nos termos da Constituição de 1988 – e da qual foi um dos redatores. "O governo não governa sem o Congresso", costuma dizer Temer, com a experiência de quem já presidiu por três vezes a Câmara dos Deputados e que há 15 anos comanda o PMDB, uma federação regional indócil que não costuma se submeter a uma caciquia nacional.
"Se o Congresso não quiser, o governo não governa", dizia o vice-presidente quando o pedido de impeachment ainda estava em fase de aquecimento na Câmara. Apinhado de políticos dos partidos que apoiaram o impeachment, o desenho do ministério formatado por Temer pretende levar a uma parceria com o Congresso que, levada ao limite, representará uma efetiva divisão de poder nunca antes vista em Brasília, desde a posse do primeiro presidente civil, em 1985, após o fim do regime de exceção com a redemocratização.
Temer acredita que é preciso fazer o Congresso participar efetivamente do governo, num modelo que poderia ser chamado de semiparlamentarismo ou semipresidencialismo. O sucessor de Dilma usa as duas expressões. Na prática, isso significaria a integração absoluta do poderes Executivo e Legislativo. "Você tem que ser parceiro do Congresso", dizia Temer, enquanto Dilma era consumida por uma profunda crise de governabilidade.
No mundo "semi" imaginado por Temer, nem parlamentarista nem presidencialista, mas as duas coisas, seria criada uma espécie de autoridade orçamentária, integrada por técnicos e políticos do Executivo e do Legislativo. A execução orçamentária seria acompanhada por essa comissão a partir de janeiro, início do ano fiscal. Em setembro, quando é elaborado o Orçamento Geral da União (OGU), essa autoridade indicaria quais os programas que deram certo, qual a receita, qual a despesa, e o que se poderia ou não fazer para o orçamento do ano seguinte. "Uma partilha de responsabilidades".
Na opinião do presidente em exercício, o Congresso passaria a atuar efetivamente junto ao governo e não haveria o problema que ocorre hoje de falta de verba para determinada obra ou contingenciamento de recurso. E ficaria mais fácil explicar à população por que falta dinheiro para a execução de projetos. É o princípio do Orçamento Base Zero, uma sugestão da iniciativa privada que deixou entusiasmado o vice Michel Temer. Tanto que colocou a proposta no "Ponte para o Futuro", o programa que o PMDB lançou no fim do ano passado, para mostrar seu cartão de visitas a um mercado inquieto com os rumos do governo.
Governar com mais de 20 partidos apenas na base aliada, todos eles exigindo posições no governo, é uma tarefa considerada quase impossível mesmo para Michel Temer e toda a sua experiência como presidente do PMDB, líder da bancada do partido na Câmara, três vezes presidente da Casa e vice-presidente da República desde 2011. A exemplo dos antecessores, o vice-presidente pensa em estimular o Congresso a fazer uma reforma política que reduza o número de partidos políticos. Na última tentativa de reforma empreendida pelo Congresso, propôs transformar cada Estado num distrito eleitoral, o chamado "Distritão".
Ao contrário do que fez a presidente Dilma Rousseff em seus quase seis anos de governo, Temer deve dar atenção especial ao Congresso e aos congressistas. Em contraste com o terceiro andar do Palácio do Planalto, o gabinete do vice, no anexo, sempre foi destino de uma romaria de deputados, senadores, líderes e presidentes partidários. É uma das muitas críticas de Temer tem em relação à titular do cargo que deve assumir depois que Dilma for notificada de seu afastamento, ainda hoje.
Temer defendia que Dilma não podia ficar recolhida no Palácio da Alvorada. Mas também reclamava do ar senhorial que a presidente usava o tempo inteiro, dando lições de moral à direita e à esquerda. Sentia-se. Dizia que ela precisava de "um pouco mais de humildade".
Enquanto ainda havia algum relacionamento entre os dois, Temer sugeriu que Dilma procurasse a oposição para uma conversa, já quando a presidente dobrava a esquina do desgoverno. A bem da verdade deve ser registrado: Temer acha que a oposição fazia "charminho" toda vez que alguém do governo enviava algum sinal. De qualquer forma, no Planalto Temer terá a oportunidade de exercitar sua receita, segundo a qual "conversar com a oposição não faz mal – no regime democrático ela existe para ajudar a governar. A fiscalização da oposição, algumas vezes, redunda em correção de rumos". Houve um momento em que o PMDB e parte do PT e o ex-presidente Lula da Silva fossem menos agressivos em relação ao novo governo. O assunto está vivo.
O advogado Michel Temer é uma referência do direito constitucional no país. Seu livro "Elementos do Direito Constitucional" e ultrapassou a marca de 20 edições. Para o presidente em exercício, o Brasil está vivendo uma terceira fase da democracia, desde que foi promulgada a Constituição de 1988. A primeira foi a "democracia liberal", seguida da "democracia social", que tirou 36 milhões de pessoas da linha da pobreza.
"O país está vivendo agora a democracia da eficiência, na qual é exigida eficiência do poder público e dos serviços privados, além de ética na política". Por pouco, Temer não usa a expressão "choque de gestão", muito cara ao PSDB. Mas é disso que ele está falando. Em seu governo, por exemplo, Temer quer dar eficiência à gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo.

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