Interfarma Português 19/03/2014

Senado realiza audiência pública sobre pesquisa clínica

Na última terça-feira, dia 18, o Senado Federal realizou audiência pública para discutir o problema da pesquisa clínica no Brasil, por iniciativa da senadora Ana Amélia (PP-RS). Para o debate, estavam presentes, além de cientistas, pesquisadores e especialistas sobre o tema, o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Dirceu Barbano, o coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), Jorge Venâncio, e o presidente-executivo da Interfarma, Antônio Britto, representando a indústria farmacêutica.
Veja abaixo, apresentação de Antônio Britto, na íntegra ou clique aqui para assistir à apresentação:
“Queria agradecer muito esta oportunidade e cumprimentar a proponente desta reunião, Senadora Ana Amélia, que faz aqui o exemplar exercício de propor a discussão do que é importante, ainda que não seja popular ou conveniente.
Eu queria registrar que, na nossa opinião, duas palavras não deveriam estar em discussão nesta reunião: uma é ética e a outra é governo.

A ética não deve estar em discussão, porque não conheço, não conhecemos e não reconhecemos qualquer medida, esforço ou intenção, de pretender que o Brasil tenha menos ética, menor rigor, menos cumprimento de tratados, convenções internacionais e, mais do que isso, da nossa obrigação com os cidadãos brasileiros.

A Interfarma tem sempre iniciado as suas manifestações dizendo que gostaria de discutir tudo, sobre pesquisa clínica, menos qualquer ideia que ameace hipoteticamente, ainda que seja, colocar em risco o patrimônio ético e de cuidado ético já obtido no país. Nós queremos discutir burocracia e não ética.

Em segundo lugar, não entendemos que se deva transformar esta reunião, não importa a ordem dos oradores, numa reunião sobre o governo. A Interfarma não tem por hábito a busca de culpados. Este é um assunto que interessa ao país.
Este é um assunto que está mal parado há muito tempo, e este é um assunto onde, justiça se faça, as pessoas do governo, me refiro, neste caso, ao atual, tem manifestado uma boa intenção. Talvez a pergunta da reunião não seja como convencer os insensíveis do governo, a acordar para a necessidade da pesquisa clínica. O que que existe atrás deste assunto, que nem o pessoal do governo consegue fazer andar, algum tipo de avanço. Esta talvez seja uma boa pergunta.

E, por isso, eu quero saudar, na condição de companheiros de vítimas do que está acontecendo com a pesquisa clínica, o Secretário Gadelha, o Presidente Barbano e o Doutor Jorge Venâncio.

Pesquisa clínica é importante, do ponto de vista humano, porque é a geração do novo conhecimento. Do ponto de vista econômico, porque ela é, hoje, um negócio de 120 bilhões de dólares/ano. Por que é que nós temos de discutir isso? Porque o Brasil, hoje, infelizmente, não é mais do que 2,32% do número de estudos e 1,4% dos centros de pesquisa clínica no mundo. Este quadro mostra que nós estamos em 15º lugar, com 3.447 estudos, num percentual muito menor de países que não tem a nossa competência e qualificação científica, não tem as nossas ilhas de excelência.

Quando a gente fulaniza um pouco o percentual de estudos, a gente pode se dar conta do que é que a gente está perdendo. A indústria não perde nada, quando um estudo não vem para o Brasil. A indústria desenvolve em outro lugar, e um dia o medicamento vai chegar aqui. Quem perde com o estudo não realizado é o paciente, que dele dependeria, e o pesquisador, para o seu aperfeiçoamento e para participar do parto do novo. Pesquisa clínica para mim, que sou jornalista e não sou médico, a tradução é o parto do novo. Nós estamos fora… câncer 1,2%, doenças respiratórias 2,1%. Ah, mas são doenças chamadas de primeiro mundo, como se aqui não fossem comuns. Vamos ver algumas chamadas não de primeiro mundo. Malária há 405 estudos no mundo. Zero no Brasil. Dados que são de meses atrás. Tuberculose 346, só 2% no Brasil.

Os estudos clínicos conduzidos no Brasil, e isto é importante, eles além de serem poucos estão basicamente na fase menos importante para a geração do conhecimento novo, e esta é uma outra dificuldade que um país tem no campo da pesquisa clínica. Por que é que a gente não avança? Não tem nada a ver com ética, porque, repito, ninguém pretende que o Brasil se transforme numa ilha de irresponsabilidade contra a segurança, qualidade e eficácia dos medicamentos. Não é por falta de cientistas. Este país tem avançado, e muito, na produção de doutores, na produção de algumas ilhas de excelência. Não é por falta de interesse do mundo, em realizar pesquisa. O Brasil está sendo incluído, quase que sempre, em toda proposta inicial de pesquisa e não é, obviamente, por falta de interesse, ou necessidade, por parte dos pacientes.

Esta é a evolução do número de doutores no Brasil (presidente, eu estou tão atento ao tempo). Esta é a evolução do número de artigos científicos. Pega este mapa aqui, por exemplo. Pega São Paulo. São Paulo está entre as 10 cidades do mundo, com maior capacidade instalada, para a realização de estudos clínicos, mas tem uma ociosidade que é maior do que 50%. Então isso mostra onde não está o problema. Não é falta de cientista, não é descuido com a ética, não é falta de interesse mundial, não é falta de capacidade instalada. Quem sabe a gente aqui se aproxime da resposta. Tempo médio de aprovação da pesquisa clínica: Coreia do Sul, 30 dias; Estados Unidos, 45 e 60; Europa, 60 e 75; Austrália, 68; Brasil, 360 dias. Eu já passei da idade de ficar discutindo se é 360 ou 340, ou se é 30 ou 60. O fato é que, o tempo brasileiro para aprovação é, no mínimo, o dobro do tempo mundial. E como o Brasil é importante… Todo mundo inclui o Brasil, mas o Brasil ainda não é importante, para que uma pesquisa nova, sobre o câncer, por exemplo, comece em 20 países, e os 20 esperem pelo Brasil.
Então, nós estamos perdendo pesquisas por um conjunto de razões.

A primeira razão não tem a ver com o governo, tem a ver com o país. Este é um país que continua pensando que inovação é matéria opcional. A Coreia fez um plano para investir em pesquisa clínica e, em pouco menos de dez anos, se tornou o 4º ou 5º mercado de pesquisa clínica no mundo. Por que existe, culturalmente, a ideia de que para defender a ética justifica a burocracia? Se pode ser ético e ser mais rápido. Se pode ser ético e ser mais eficiente, por que o Conselho Nacional de Saúde tem uma visão conservadora sobre pesquisa?

A própria declaração de Helsinki, e alguns dos documentos fundamentais no mundo, recomendam facilitar a pesquisa. Qual? Qualquer uma? Não, a boa. Não é pecado. Se pudesse haver, Senadora Ana Amélia, um projeto de lei com um só artigo: “Fica permitido apoiar a boa pesquisa. Revoguem-se as disposições em contrário.”

Tem que se estabelecer claramente, na cabeça do respeitável Conselho Nacional de Saúde, que não é pecado facilitar a pesquisa. A boa, porque apesar da boa vontade de autoridades do governo a mudança não é aprovada. Eu estou sentado aqui com pessoas que têm-se esforçado, e muito, para tentar aprovar mudanças. E qual é a mudança fundamental? O país tem um sistema que não existe nos outros lugares do mundo. Nós fazemos 3
a 4 análises, que fazem retrabalho, que prolongam, demasiadamente, o tempo de análise. E aí, então, a gente acaba tendo um número de estudos que caminha, e esse é o dado fundamental e inédito, que eu trouxe aqui, para esta reunião…

Número de estudos perdidos, apenas por 18 empresas, ano passado, no Brasil.
Foram perdidos 112 estudos. 61, cancelou-se a vontade de fazer no Brasil. 51, desistiu-se que viesse ao Brasil. O importante está aqui embaixo. 3.712 pessoas não puderam participar de estudos. Não é a indústria. A indústria depois vai descobrir, e se descobrir vai vender, se for registrado e autorizado. Patologias com morte, de apenas 18 empresas, 36 estudos.

Então eu quero, em atenção ao tempo, e à severa simpatia do presidente, registrar o seguinte: só existe um problema. O problema é que, apesar da boa vontade do governo, o sistema que está montado em um sistema que não tem precedente em outros países. Temos “CEPs” mas não se confia nos “CEPs”. Então o CEP existe, mas tudo o que passa pelo CEP acaba, basicamente, tendo de passar pela CONEP. E têm-se a Anvisa. E a soma disto gera um tempo que é o dobro do mundo. Queria terminar com David Coimbra. Ele não está aqui.

O jornalista David Coimbra teve a coragem de, sendo portador da doença, escrever estas palavras, com as quais eu gostaria de encerrar esta breve manifestação:

“Por isso me inscrevi num desses protocolos que estavam em desenvolvimento em Ijuí. Consistia numa comparação: uma droga novíssima versus outra já disponível no mercado. Havia 50% de chances de eu pegar a droga nova.
Dependia de uma espécie de sorteio.Era uma ou outra, e eu peguei a outra, a droga mais antiga, quer dizer, perdi. Mesmo assim, continuei no protocolo, usei a droga que, aliás, é caríssima, e por certo tempo deu certo. Participar daquela pesquisa foi muito bom para mim.

Agora pretendo participar de outra, e aí, quem sabe, tenho mais sorte. Quem sabe, me torno um feliz cobaia, desses paladinos da ciência”. 

Os candidatos a cobaia, que são candidatos à esperança, não querem menos ética. Querem mais eficiência, menos retrabalho, menos burocracia. E esta não é uma questão para opor governo ou quem quer que seja. É para nos unir, à todos, sob a égide do Senado e sob a liderança do Senador Moka e da Senadora Ana Amélia. Vamos tentar continuar sendo éticos, mas ser um pouco mais eficientes?

Tem gente esperando.

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