Interfarma Português 31/08/2015

Sem travessas para conter expansão

Inserida em um cenário macroeconômico recessivo e de política nacional turbulenta, a indústria farmacêutica brasileira consegue se descolar e continuar crescendo. Na contramão da maioria dos setores da economia, os laboratórios esbanjam saúde e investem em pesquisa e produção. A explicação é simples: medicamento é produto cuja compra não se pode adiar e nem sempre há maneira de "pechinchar".
Do lado da indústria, as cifras ilustram o cenário favorável: nos últimos 12 meses encerrados em maio, a receita do setor registrou alta de 12%, passando de RS 39,2 bilhões para RS 43,9 bilhões. As vendas também cresceram, subindo de RS 123,7 bilhões para RS 134,4 bilhões. Com 54 laboratórios associados, a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) estima encerrar 2015 com mais 9% no faturamento. O grupo de laboratórios é responsável por 80% dos medicamentos de referência do mercado e por 33% dos genéricos no canal farmácia.
"Medicamentos são produtos de primeira necessidade, por isso o varejo oscila menos em momentos de retração do comércio", diz Antônio Britto, presidente-executivo da Interfarma. Enquanto outros segmentos do comércio apresentam queda nas vendas, o mercado farmacêutico varejista continua mantendo o mesmo ritmo de crescimento nominal.
Mesmo com o governo no papel de maior comprador de remédios, a indústria farmacêutica é um dos segmentos que mais contam com programas federais de apoio. Segundo Britto, o "setor conta com RS 3,6 bilhões de programas federais para financiar projetos de pesquisa e desenvolvimento. O dinheiro vem do Ministério da Saúde, do InovaSaúde e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Iniciado em abril de 2013, o programa tem duração prevista até dezembro de 2017. Segundo ele, ainda faltam investimentos. "Um dos grandes desafios da indústria de saúde no Brasil é reduzira dependência tecnológica, com mais investimento em pesquisa e inovação."
A dependência é quase total quando se fala em medicamento biológico, área que mais necessita de acordos e parcerias. "Essa é uma tecnologia dominada pelas grandes empresas internacionais logo, o acesso das farmacêuticas nacionais aos biológicos, que são o grande mercado do presente e do futuro, passa por acordos e parcerias com as internacionais. Isso aconteceu com intensidade nos últimos dois anos, e entendemos que é uma característica que veio para ficar no mercado brasileiro."
A corrida aos biológicos, além do tamanho do mercado brasileiro, explica os aumentos em investimentos em pesquisa e capacidade produtiva. Dados do Grupo Farma Brasil (GFB), que reúne nove laboratórios de capital nacional, mostram que, de janeiro a maio, essas empresas investiram RS 538,8 milhões, 52% acima do mesmo período de 2014. Só em maio, os aportes desses laboratórios ultrapassaram RS 142 milhões. A tendência é que o volume de recursos verificado no primeiro trimestre, RS 472,7 milhões, se mantenha, o que levaria o total no ano para quase RS 1,9 bilhão. Em 12 meses, até abril deste ano, as vendas do varejo do setor superaram RS 69 bilhões.
O faturamento e os investimentos em pesquisa e desenvolvimento revelam a boa saúde do setor. A Novartis, grupo com 3 mil funcionários e há 80 anos no Brasil, faturou RS 3 bilhões em 2014. "Teremos outro crescimento bem consistente e de dois dígitos em 2015, sendo que no ano passado tivemos o melhor desempenho da última década", diz Silvia Sfeir, diretora de relações governamentais da empresa.
"Estamos investindo RS 60 milhões em pesquisa e desenvolvimento nas áreas de transplantes, oncologia, neurologia, cardiologia e infectologia por ano no Brasil", informa. "Nos últimos três anos, aplicamos RS 170 milhões, permitindo acesso a 25 mil pacientes com nossos estudos clínicos." A empresa tem hoje "200 estudos clínicos em andamento no Brasil, cobrindo 350 centros de pesquisas de referência, como universidades, fundações e hospitais públicos". A Novartis investe por ano 20% de sua receita, ou seja, U$S 10 bilhões em todo o mundo, em pesquisa de novos medicamentos e soluções em saúde.
Já o grupo Sanofi injetou U$S 125 milhões em pesquisa e desenvolvimento clínico no país nos últimos dez anos. A maior parte do portfólio da companhia é constituída por produtos de referência cujas patentes expiraram. No Brasil, apenas 3% dos produtos da Sanofi são protegidos por patente. "A inovação, por isso mesmo, é fundamental para que a medicina continue avançando", diz Hornstein, diretor-geral do grupo no Brasil, acrescentando que "a propriedade intelectual precisa ser respeitada e protegida, não apenas para cobrir os aportes realizados durante o desenvolvimento de um novo tratamento, mas para viabilizar novas pesquisas".
No caso da Sanofi, a "expectativa é acelerar o crescimento a partir de 2016 com a chegada de importantes lançamentos", entre eles uma nova insulina basal de longa duração, lançada neste ano nos Estados Unidos e a vacina contra a dengue, que teve dossiê científico para a obtenção do registro submetido para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em março, segundo Hornstein. Com quatro fábricas no Brasil, a empresa produz localmente 95% dos medicamentos que comercializa no país e tem projetos com instituições públicas e privadas.
A Libbs Farmacêutica também destaca os investimentos em pesquisa e desenvolvimento, que "correspondem a 10% do faturamento, 2,5% em novas moléculas, em parcerias com os Estados Unidos", afirma Márcia Martini Bueno, diretora de relações institucionais da empresa. "Esse investimento não considera os medicamentos biofármacos, que somam RS 250 milhões, aprovados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a planta no complexo em Embu das Artes, que deve entrar em operação no início de 2016."
A Libbs faturou cerca de RS 1,2 bilhão em 2014 e este ano espera alcançar RS 1,4 bilhão. "No primeiro semestre, conseguimos atingir nossa meta, com crescimento bem acima do mercado, graças aos investimentos que vem fazendo. Temos uma planta farmacêutica e outra farmoquímica, onde produzimos nossos insumos; 50% do nosso faturamento é produção verticalizada, e isso é uma raridade no Brasil."
A Merck alcançou receita de RS 1 bilhão em 2014 e espera um crescimento entre 6% e 7% este ano. "Poderia ser melhor não fosse o impacto na parte de compras públicas, que foram reduzidas e postergadas em boa parte", diz Guilherme Maradei, presidente da Merck. Tanto é assim que, "no início do ano, a projeção era crescer próximo de 20% sobre o ano anterior", mas as contas foram refeitas "para baixo a partir do fim do primeiro trimestre". A subsidiária brasileira está investindo RS 42 milhões na expansão de sua unidade fabril em Jacarepaguá (RJ), que neste ano completa 40 anos.
"A meta é chegar em 2018 com capacidade produtiva de 3,3 bilhões de comprimidos, aumento de cerca de 80%, de forma a supriras demandas do Brasil e da América Latina", diz Maradei. A empresa aumento em 30% as exportações, sobretudo para a América Latina, o que elevará em 10% seu quadro de funcionários no Brasil, que é de 1,4 mil. Hoje, 5% da produção no Brasil é exportada. A projeção é que no segundo semestre chegue a 10%.
Em 2014, a Pfizer do Brasil registrou um faturamento de R$ 4,9 bilhões, mais 19,5% diante de 2013, quando as vendas atingiram R$ 4,1 bilhões. "No primeiro trimestre, tivemos um acréscimo de 11,3% em relação ao mesmo período do ano passado, diz Ciro Mortella, diretor de assuntos corporativos da empresa.
A Pfizer investe por ano em âmbito mundial US$ 7 bilhões para a pesquisa e desenvolvimento. Segundo ele, "o pipeline é formado por 88 programas no mundo, alguns em fase de estudos clínicos, outros em processo de registro". Um exemplo recente é um medicamento para artrite reumatoide. Mesmo com patente vencida de três produtos importantes, suas vendas continuam em alta. O Viagra, por exemplo, que tem 17 concorrentes, mantém participação de 12% do mercado em reais, o que representa R$ 27 milhões ao ano, sendo que o Brasil lidera as vendas do medicamento na América Latina. Em 2010, a empresa adquiriu 40% da companhia de genéricos de marca Teuto, e busca um acordo com Orygen Biotecnologia para colaborar na fabricação e comercialização de produtos biossimilares.
A boa fase da indústria farmacêutica contribuiu para reduzir as críticas dirigidas à atuação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Britto, da Interfarma, diz que a situação, que era muito grave, mostra-se agora um pouco menos pior. Pela primeira vez tivemos uma leve redução no prazo médio para registro de produtos, mas ainda continuam elevados. Um registro de genérico, na média, dura mais de três anos, mas os números apontam uma queda entre 10% e 15%, dependendo do tipo de produto."
Silvia, da Novartis, vê mudanças positivas na atuação da agência, sobretudo pela transparência e atenção com a pesquisa. "Até porque agora a agência está com um compromisso com pesquisa no Brasil." Ela espera que a Anvisa "olhe para os biossimilares, que estão chegando, com o mesmo rigor que vem olhando para os outros produtos no momento do registro".
Maradei, da Merck, observa que há um "esforço por parte da Anvisa em reduzir o tempo de aprovação" e destaca "a habilidade em priorizar principalmente as inovações". Os elogios param por aí: "as aprovações são mais longas do que na maior parte dos países no mundo. É comum uma média de aprovação entre três e seis meses em mercado desenvolvido, enquanto no Brasil fica próximo de dois anos".
A Anvisa lista uma série de providências no sentido de reduzir o tempo de análise e de "tornar a fila mais dinâmica" e inteligente", de forma a incentivar a concorrência. Entre as medidas estão "a transparência da fila, a definição de regras claras sobre os critérios de priorização e a própria reestruturação da área de registros". A agência diz que um dos "focos tem sido o de olhar para o registro de forma mais inteligente". Na prática, significa dar "prioridade aos produtos que representem aumento da concorrência em segmentos com poucas opções terapêuticas ou oferta de produtos inovadores que representem novas opções para o usuário". Ainda segundo a Anvisa, "outro foco importante tem sido a priorização dos medicamentos de interesse do Sistema Único de Saúde (SUS).
Também o registro de genéricos inéditos tem sido priorizado, com 24 autorizações em 2015, todos em nichos "onde não havia concorrência". Ainda segundo a agência, estão na fila de registro quatro
processos de medicamentos novos, aqueles de moléculas inéditas; 133 medicamentos inovadores, novas indicações ou apresentações para moléculas existentes; 22 medicamentos biológicos; e 1.074 pedidos de registro para genérico similar.

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