Interfarma Português 24/09/2013

Resultados excelentes, apesar da burocracia

Revista Valor Setorial – Saúde
Jornalista: Rosangela Capozoli

A indústria farmacêutica brasileira reconhece que vai muito bem, mas se queixa de que poderia estar melhor ainda. 

Em 2012, o mercado de medicamentos no país faturou R$ 49,6 bilhões, ocupando o sexto lugar no ranking mundial. As reclamações recaem sobre o governo, que “dificulta a pesquisa clínica”, demora “até dois anos para liberar o registro” de medicamentos e abocanha em média mais de 30% em impostos sobre os remédios, diz Antonio Britto, presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). Se, de um lado, o governo cobra demais, de outro, contribui de menos, bancando apenas 26% dos remédios.”O Brasil é um país onde 74% dos medicamentos dependem do bolso do cidadão. Ou as pessoas têm o dinheiro ou não têm o remédio, ao contrário da maioria absoluta dos países onde existe sistema de apoio ao acesso aos medicamentos” A Interfarma reúne 51 laboratórios que representam 70% do mercado de medicamentos inovadores, 25% dos remédios similares e mais de 40% de produtos genéricos, produzidos por meio de associados.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para quem o rigor nas aprovações de medicamentos deve ser mantido como questão de proteção à saúde das pessoas, diz que as novas regras publicadas em meados de agosto estabelecem que todos os processos têm de ser analisados entre seis e nove meses. “O que a indústria chama de burocracia, nós chamamos de documentação que comprova se o efeito prometido pela droga de fato ocorre”, diz Dirceu Barba-no, diretor-presidente da Anvisa.

Quando se olham os negócios, a indústria farmacêutica não tem do que se queixar. As vendas de medicamentos no varejo em 2012 cresceram quase 16% sobre 2011 e devem aumentar entre 13% e 16% neste ano. Em 2003, o país ocupava o 1 Io lugar no ranking do consumo mundial de remédios e deve pular para a quinta posição em 2017, quando o consumo atingirá R$ 87 bilhões, segundo dados da IMS Health, empresa que audita o mercado farmacêutico mundial. Hoje, embora em sexto lugar, o mercado brasileiro representa apenas 3,73% nos gastos mundiais com medicamentos.

“O cenário é positivo e poderia ser muito mais se não tivéssemos grandes gargalos”, diz Britto. Um deles é a “questão do acesso da população ao medicamento”. Outro é uma “carga injusta de impostos”, que pesa mais sobre medicamentos para humanos do que para remédios veterinários. Há ainda problemas regulatórios e burocráticos. “Quem pretende exercer a atividade farmacêutica no Brasil, como pesquisador, produtor, ou comercializador de medicamentos, tem que contar com ajuda divina para enfrentar a complexidade burocrática”, afirma Britto. “É óbvio que o setor quer e precisa de regras rigorosas, mas no Brasil a regra rigorosa serve de desculpa para uma burocracia desnecessária.”

A Interfarma criou um quadro batizado de “demorômetro”, onde mostra o número de dias consumidos, em média, na espera de diferentes pedidos de aprovação pela Anvisa. Para os medicamentos novos, a demora é de 591 dias; para os similares, 543 dias; para remédios genéricos, esperam-se 695 dias; e para medicamentos biológicos, 524 dias.

“É muito acima da média quando comparamos com agências europeias e americanas, e mesmo com alguns órgãos latino-americanos onde o prazo é de um ano”, diz Adib Jacob, presidente da Novartis, empresa de inovação que está investindo no país entre RS 60 milhões e R$ 70 milhões por ano apenas em pesquisa clínica. “Gostaria de investir o dobro, mas estou limitado pelos prazos de liberação”, diz Jacob. “Temos mais de 150 produtos em estudo clínico em fase avançada.” A queixa também vale para a aprovação de produtos novos. “O Brasil costuma ser o último país da América Latina a receber uma nova droga”, afirma. “Mais do que para a indústria, o prejuízo é para o paciente. Produtos capazes de salvar vidas poderiam estar disponíveis para os pacientes e médicos mais cedo. Um ano faz toda a diferença para alguém que está doente”, afirma Jacob.

O estudo clínico de uma nova droga em fase II ou III – quando é testada em humanos – é uma “chance de beneficiar o paciente”, mas a “inércia na aprovação impossibilita que ele tenha um acesso mais cedo. A droga é lançada no Brasil quase sem experiência local, porque quando a Anvisa se pronuncia, esse recrutamento mundial já acabou.”

Para Britto, “embora o país seja o sexto mercado mundial de medicamentos, ele ocupa um lugar medíocre em atração de investimentos para pesquisa clínica”, diz. “O Brasil está próximo da vigésima posição quando se trata de pesquisa clínica. Significa que estamos perdendo muitos estudos clínicos para outros países.”

As críticas para a agência recaem sobre a burocracia e falta de estrutura, mas não tiram seus méritos. “A regulamentação da Anvisa para todas as etapas de pesquisa e de desenvolvimento de produção é uma regulamentação em nível das melhores do mundo”, afirma Britto. “O problema é que ela não tem estrutura para executar aquilo que define como tarefa para ela própria.”

A Anvisa estima que haja cerca de 1,8 mil processos na fila de espera envolvendo registros de similares, genéricos e produtos novos e que, em alguns casos, os prazos se estendem por 18 meses a dois anos. Segundo Barbano, revisões nas regras da agência, publicadas como decreto em 15 de agosto, reduzirão o tempo de aprovação para até 90 dias para produtos considerados estratégicos, como vacinas, remédios para Aids e para aqueles definidos como estratégicos para políticas públicas. A agência tem 2,3 mil funcionários e contratará outros 314 em concurso, metade para a área de medicamentos.

Segundo o Ministério da Saúde, o novo decreto autoriza a transferência de titularidade de registros de medicamentos, em caso de aquisições por outras empresas, desde que não mude o processo de fabricação. Também simplifica os procedimentos para importações de produtos destinados à pesquisa científica. Com as novas regras, a Anvisa passa a ter uma comissão científica com sete membros de áreas estratégicas da saúde. A agência contratou o Instituto Falconi, que desde março está identificando os procedimentos que podem ser melhorados.

De acordo com Jacob, a Novartis “é a segunda empresa do mundo, em qualquer setor de atividade, que mais investe em inovação, totalizando US$ 10 bilhões por ano”. Os investimentos no Brasil como um todo, incluindo t
ecnologia da informação, representam R$ 200 milhões por ano. Só a fábrica de Pernambuco, que a partir de meados de 2014 passará a produzir vacinas e produtos biológicos, está consumindo RS 1 bilhão. Outra frente de investimentos é um serviço de relacionamento com o cliente buscando manter a adesão e a fidelização. Cerca de três milhões de pacientes fazem parte da rede.

“Isso nos tem permitido trazer inovação, além de alavancar o crescimento de remédios estabelecidos que continuam gozando de uma imagem forte no mercado.” Entre eles, Jacob cita medicamentos que são líderes de venda na linha de hipertensão, de diabetes, produtos para pacientes transplantados, remédios para o sistema respiratório, entre eles um para doença pulmonar obstrutiva crônica. O presidente ainda cita drogas para oncologia e esclerose múltipla.

O grupo Novartis no Brasil faturou cerca de RS 3 bilhões em 2012 e a perspectiva é de aumento de 10% neste ano por conta de lançamentos. “Para os próximos anos, devemos manter o crescimento de dois dígitos, porque lançaremos, por ano, entre oito e dez novos produtos para o mercado. Em 2013, são oito lançamentos.”

O laboratório Medley está reforçando sua posição de “líder no mercado”, com novos lançamentos, ampliação “sustentável” da venda de genéricos e produtos estabelecidos no mercado. “Entre os dez genéricos mais vendidos do mercado farmacêutico brasileiro, cinco são da Medley, segundo a IMS Health”, diz Wilson Borges, diretor-geral.

“A empresa está investindo neste ano R$ 30 milhões em uma ampla campanha de mídia, que trabalha os principais atributos da marca junto ao médico e consumidor.” A Medley deve lançar em breve dois novos produtos no mercado, um anticoncepcional e outro para epilepsia.

“O Brasil é um dos países mais importantes para a empresa e foi definido como mercado-chave por causa do tamanho e de seu potencial”, diz Juan Carlos Gaona, gerente-geral da Abbott Brasil. O aumento do poder aquisitivo no Brasil é um dos principais atrativos. “Vemos mais oportunidades no mercado brasileiro que problemas, por conta até da mudança social que tivemos nos últimos oito anos, quando 40 milhões de pessoas passaram a ter acesso a medicamentos e diagnósticos que antes não tinham. Há muito espaço para continuar crescendo.”

O laboratório farmacêutico Althaia, com fábrica em Atibaia (SP), registra forte crescimento nas atividades. A empresa começou a operar em agosto de 2010, quando comprou a Almatal, que fabricava medicamentos para outras indústrias farmacêuticas. Com três anos de atividade, o laboratório Althaia tem quatro produtos genéricos e 30 submissões de registros aguardando aprovação. Três deles devem ser aprovados neste ano e a expectativa para 2014 é de que outros seis recebam autorização da Anvisa.

A produção saltou de um milhão de caixas em 2012 para 2,5 milhões projetadas neste ano. O faturamento vem crescendo 100% ao ano desde a abertura e deve repetir o desempenho neste ano. “O número de funcionários, hoje de 220, deve chegar a 300 em 2014”, diz Carolina Sommer Mazon, diretora-técnica da empresa.

Para garantir o crescimento, a Althaia obteve neste ano a aprovação de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no valor de RS 10 milhões. “Os recursos são do Programa BNDES de Apoio ao Desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde – BNDES Profarma Inovação”, diz. “O financiamento será utilizado pelo laboratório na produção de oito formulações farmacêuticas para medicamentos genéricos inéditos e inovação incrementai.”

Segundo ela, a empresa lançou em abril a droga trimebutina, que o laboratório apresenta como “primeiro genérico desenvolvido para o tratamento de alterações que envolvem o funcionamento da coordenação da contração do aparelho digestivo, também conhecido como SDI, ou síndrome do intestino irritável”.

Os medicamentos genéricos devem contribuir para este crescimento. O volume de vendas de produtos que perderão suas patentes nos próximos quatro anos e serão vendidos como genéricos representa RS 1 bilhão por ano. Segundo o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), os genéricos fecharam 2012 com uma participação de 26,28% em unidades e se aproximam de 30% em 2013.

“Tem muito espaço para crescimento. Em países com medicamentos genéricos há mais tempo que o Brasil, como Alemanha e Estados Unidos, a participação em unidades fica próxima de 60% e, em valores, perto de 50%, diz Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma. O setor reconhece que a indústria de medicamentos é o “último setor da economia a sentir a crise e o primeiro a sair de uma eventual crise”, afirma.

Apesar do aumento do faturamento, o descontentamento fica por conta da rentabilidade, que vem caindo com o impacto da valorização do dólar e o aumento do preço dos insumos e da mão de obra. “O reajuste do medicamento tem ficado na casa dos 4% nos últimos anos, enquanto o aumento de mão de obra, em 8%. A estimativa é de queda na rentabilidade entre 20% e 30%”, diz Mussolini.

Um impedimento para o crescimento do mercado de medicamentos lembrado pelo Sindusfarma são os baixos gastos do governo com saúde. “O gasto público em saúde em relação ao gasto total é de 7% no Brasil. Na Argentina é de 14%; no Chile, de 16%; e na Colômbia, de 20,2%”, diz Mussolini.

Outro fator é a pequena fatia do governo nos gastos do setor: mais de 70% do gasto em saúde está na mão do setor privado, enquanto na Inglaterra o governo entra com 90%. “O Brasil está muito distante disso. Temos um gasto público em saúde abaixo das médias mundiais e um gasto privado acima das médias mundiais. Precisamos de uma atuação mais forte do governo”, afirma.

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