Folhapress
Antonio Britto, presidente-executivo da Interfarma, criticou a falta de incentivo à pesquisa clínica e farmacêutica no país no painel “Obstáculos e potenciais da inovação no Brasil”, do Fórum a Saúde do Brasil, da Folha de S.Paulo.
Com metáforas bem-humoradas e menções frequentes a convidados sentados na plateia, como o médico Drauzio Varella, Britto disse que ainda se espanta com a dificuldade que os profissionais de saúde têm para sanar dúvidas na área.
“Esta iniciativa é oportuna porque a conversa sobre saúde não é uma afirmação sobre o que já pensamos para sair mais convencidos do que já estávamos. Mas estabelecer [saindo daqui] uma taxa média de 1 ou 2% de dúvida, para começar.”
O convidado destacou que os desafios na área de tecnologia em saúde, especialmente na produção de recursos mais sofisticados como os biomedicamentos, se tornam cada vez maiores e o país precisa acelerar para acompanhá-las.
Segundo Britto, o Brasil vive uma “escolha de Sofia”, pois precisa oferecer à população medicamentos e equipamentos que ainda não produz. “Hoje, quanto maior é o acesso à saúde, mais a gente se torna dependente. Há um deficit crescente na balança comercial [de medicamentos e tecnologia].”
As universidades, argumentou, conseguem realizar a “tarefa importantíssima” de preparar novos profissionais e estimular “algum nível de pesquisa básica”, mas continuam fechadas à ideia de aplicação do conhecimento.
“Ser pesquisador em qualquer universidade brasileira não gera uma popularidade muito grande”, declarou. Por outro lado, a iniciativa privada nacional “movida a 514 anos de commodities e de belíssimo mercado interno”, na opinião do palestrante, é avessa ao risco. “Inovar é correr risco. E o governo faz o que pode para atrapalhar em termos de regulamentos”, disse.
O presidente-executivo da Interfarma disse acreditar que resolver a dependência das empresas estrangeiras e desenvolver produtos nacionais de alta tecnologia passam “por uma mudança cultural dentro da academia, por uma iniciativa privada que assuma riscos” e por novas regulações no governo no sentido de diminuir a burocracia para a realização de pesquisas.
Essa necessidade de mudança, segundo ele, revela uma “relação mal resolvida do Brasil com a inovação”.
O convidado mencionou bons exemplos desse tipo de cooperação, como a relação entre o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e a Embraer, além do trabalho de pesquisa desenvolvido pela Embrapa.
Britto encerrou sua fala com uma comparação que arrancou risos da plateia: “A inovação continua sendo como a ioga. Todo mundo fala bem, mas nem todos praticam. Estou em uma caminhada para que mais gente pratique ioga.”
Contraceptivo
Ao falar da “via-crúcis do paciente” no Fórum, o médico Drauzio Varella afirmou que a maior violência que o Estado promove contra as mulheres pobres é o difícil acesso aos métodos contraceptivos.
Varella lembrou que o Brasil deve rever as suas taxas de natalidade e que o índice (de 1,74 filho por mulher, segundo o IBGE) não revela a realidade do país. Ele, que viaja muito pelo Brasil, diz que sempre prefere ir às periferias para conhecer as situações reais.
“Todas têm casas de alvernaria, que não têm homem em casa e a mulher, que muitas vezes foi deixada pelo marido, cuida de um montão de crianças”, afirmou.
O resultado, segundo ele, é que essas crianças acabam sobrecarregando os serviços sociais, como o serviço de saúde, as escolas, entre outros serviços.
“Eu, na minha idade, não acredito que se consiga um serviço decente com um sistema desse jeito”, provocou o médico. Para ele, o Brasil vive um sistema “bola de neve” de problemas.
Varella afirmou que o sistema de saúde suplementar no Brasil está fadado a quebrar e que o lucro das operadoras de panos gira em torno de 2% a 3%. Para chegar a uma solução, ele propõe discutir com os médicos que atendem planos de saúde os custos dos procedimentos e, assim, encontrar uma forma de diminui-los.
O médico criticou a chamada “judialização” do atendimento em que o cliente precisa recorrer à Justiça para ter direito a determinado procedimento.
Todos esses problemas, segundo ele, colocam o sistema de saúde em risco. “Imagina se todas essas pessoas [cerca de 50 milhões de pessoas] que são atendidas planos planos de saúde fossem jogadas no SUS?”, questionou.
Ideologia
Os médicos Rodrigo Affonseca Bressan, professor e coordenador do Programa de Esquizofrenia da Unifesp, e Luiz Tenório de Oliveira Lima, secretário-geral da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, discutiram como a ideologia de profissionais da saúde atrapalha o tratamento de transtornos mentais no Brasil.
O painel “Doenças da vida moderna” encerrou o primeiro dia de debates e palestras do seminário.
“Cerca de 30% dos pacientes dos CAPs de São Paulo precisam de um remédio chamado Clozapina, mas não recebem”, disse Bressan. Segundo ele, o medicamento não é utilizado por conta de desavenças ideológicas entre clínicos e psicólogos que, por exemplo, não concordam com a prescrição de remédios para certos casos.
Para Tenório, esse “sistema de crenças” compartilhado por profissionais imobiliza diagnósticos mais precisos na área da saúde mental. “É uma trava cultural”, disse o médico.
Os especialistas também aproveitaram o último painel do dia para comentar a dificuldade de se diagnosticar a depressão hoje. “Eu ainda utilizo o ensinamento de Hipócrates, segundo o qual tristeza, quando dura, é melancolia”.
Bressan ressaltou a importância de não restringir a especialistas o tratamento de pacientes com depressão. “Saúde mental não é coisa de psiquiatra, é também responsabilidade do médico de família e do enfermeiro”, disse