O Globo
Naturalizado brasileiro, o guianense é autoridade no setor de propriedade intelectual e lida com a produção e a representação de multinacionais asiáticas.
Por Márvio dos Anjos
"Nasci há 64 anos em Georgetown, de uma família de origem indiana, e vim para o Brasil com 19 anos enquanto meus pais foram para o Canadá. Moro no Rio desde então. Estudei engenharia e direito na Universidade Veiga de Almeida e me especializei em Propriedade Intelectual. Hoje sou advogado na área"
Conte algo que não sei.
Um registro de patente de uma multinacional leva 13 anos em média para sair no Brasil, enquanto em outros países leva de três a cinco anos. Você não pode negociar, não pode vender e quase não pode defender seus direitos nesse período. Você só pode explorar, fabricar e vender. E se alguém estiver pirateando o que você faz, você nem pode tomar uma medida judicial contra ele. No máximo você notifica extrajudicialmente dizendo que, se ele não parar, você pedirá uma indenização retroativa quando tiver a patente. E essa é uma das formas de acelerar o seu processo no INPI.
Ou seja, o país é muito atrasado nesse setor?
O Brasil é o paradoxo das patentes. O país está entre os 14 primeiros signatários da Convenção de Paris, que foi o primeiro acordo mundial do setor. Mas, infelizmente, a parte de infraestrutura do INPI, o número de examinadores não acompanha a intenção de ser PI friendly (amigável). Não é prioridade para o governo.
Por que o senhor diz isso?
O INPI é uma autarquia do Ministério da Industria e Comércio, tem que haver orçamento para concurso e aprovação, e isso gera essa insuficiência dos examinadores. Em todo mundo, o órgão de proteção de patentes é público, mas veja: os EUA criam um volume de cerca de 500 mil patentes e têm 3.000 examinadores. No Brasil, depositam-se 35 mil patentes no ano, e 90% são de origem estrangeira, para proteger direitos no território. Só que são apenas 280 examinadores e ainda são obrigados a ter mestrado. Lá fora não é assim.
Um cenário avesso…
Eu gostaria de poder explicar como o Brasil poderia atrair investimentos se tivesse um modelo eficiente. Ninguém quer investir dinheiro sem saber que vai ter sua patente protegida em prazo razoável, ou que a Justiça não tenha leis que sejam eficientes contra o infrator.
Mas o senhor crê que o Brasil não é um país inovador?
A inovação já nasce na faculdade. E os nosso cientistas produzem um bom número de publicações científicas; na Coreia do Sul, por exemplo, há o mesmo número. Só que lá, a publicação se materializa em tecnologia: vêm empresas particulares para investir e ajudar as pessoas a patentear, dividindo a patente. Sai do meio acadêmico e vira produto. É isso que falta. É verdade também que não temos muitos engenheiros e cientistas quanto temos advogados. A Índia, por exemplo, tem o maior número de PhDs do mundo.
E a China, como está nisso?
Lá tudo é excessivo. Ainda é o país com o maior número de pirataria, pelo número de pessoas que têm. Mas veja: pela sua mão-de-obra especializada e barata, a China tornou-se a fábrica do mundo. E hoje eles depositam o maior número de patentes no mundo — e talvez metade seja lixo, mas o governo estimula o volume.
Então a China estaria atravessando esse momento da “desonestidade autoral”?
Sim, eu diria que sim. Todo país passa pela etapa de cópia. O Japão, que tem uma produção de qualidade superior à da China, já teve essa fase no pós-guerra. Mas hoje, todas as marcas têm suas fábricas de Pesquisa e Desenvolvimento na China, porque há estímulo sob a condição de abrir a tecnologia da fábrica ao país que a hospeda. O Brasil deveria fazer o mesmo.