Setor Português 29/06/2016

Propina de R$ 30 milhões retira R$ 1,5 bi em valor da Hypermarcas

Valor Econômico
Jornalistas: Fernando Torres, Adriana Mattos e Cynthia Malta
A revelação de que um de seus ex-executivos autorizou o pagamento ilegal de R$ 30 milhões a lobistas, que repassariam os recursos a senadores do PMDB, tirou R$ 1,5 bilhão do valor de mercado da Hypermarcas. As ações da empresa caíram 8,46%, na maior queda do dia na bolsa.
Além do fato em si, investidores e analistas se mostraram contrariados com três pontos: o responsável pelos pagamentos foi o ex-diretor de relações institucionais Nelson Mello, que estava na empresa desde sua fundação e era considerado homem de confiança do fundador da companhia João Alves de Queiroz, o Junior; a empresa descobriu a ilegalidade em fevereiro e não comunicou nada ao mercado até ontem; e os pagamentos ocorreram entre 2013 e 2015, sem que nenhum mecanismo de controle interno tenha identificado a irregularidade.
Em seu benefício, a empresa foi rápida ao confirmar, ainda na manhã de ontem, que uma investigação interna identificou despesas sem justificativas autorizadas por Mello. A informação foi revelada pelo jornal "O Estado de S. Paulo". Mello teria admitido, em acordo de delação premiada, que o pagamento ilegal seria repassado por lobistas a senadores como Renan Calheiros (AL), Romero Jucá (RR) e Eduardo Braga (AM). Os três negam ter recebido os valores.
O depoimento ocorreu em fevereiro e Mello se desligou da Hypermarcas em março. Oficialmente, pediu demissão. O cargo de diretor de relações institucionais foi extinto. A empresa informou que não está sendo investigada.
Após saber que a Procuradora Geral da República (PGR) tinha informações relacionadas à empresa e que poderiam se tornar públicas, a Hypermarcas contratou o escritório de advocacia Souza, Cescon, Barrieu & Flesch e a consultoria ICTS para fazer uma investigação interna, segundo uma fonte.
De acordo com a Hypermarcas, os assessores concluíram que Mello "agiu por iniciativa própria" e que a empresa "não se beneficiou de quaisquer dos atos praticados pelo ex-executivo".
A companhia foi questionada pelo Valor sobre os motivos que teriam levado Mello a fazer os pagamentos. A empresa apenas repetiu que não se favoreceu com as despesas identificadas.
Tendo suas fábricas e centros de distribuição instalados em Goiás, terra de origem de Junior, a empresa goza de incentivos fiscais que somaram R$ 1,43 bilhão entre 2010 e 2015, o que lhe dá vantagem competitiva frente a concorrentes. Sua "carga tributária" está próxima de zero nos últimos anos.
No comunicado, a Hypermarcas, a maior empresa brasileira do setor farmacêutico, disse que firmou acordo com Mello para ressarcimento dos R$ 30 milhões. O reembolso ainda será registrado no balanço como "outras receitas". Segundo o Valor apurou, a cifra será paga com recursos do próprio executivo.
Os R$ 30 milhões não são uma soma desprezível para a Hypermarcas, na visão de dois analistas que acompanham a empresa. Chega próximo ao tamanho das despesas gerais e administrativas da companhia em um trimestre e a quase 20% das despesas trimestrais com marketing – R$ 170 milhões de janeiro a março.
O que atenuaria o problema em termos de falha de controle interno e do trabalho da auditoria externa da KPMG, segundo fontes, é que as despesas foram diluídas entre 2013 e 2015. Os R$ 30 milhões representam 2,5% do lucro líquido acumulado nos três anos.
Segundo uma fonte, o ex-diretor teria usado sua posição elevada na hierarquia da companhia para conseguir aprovar as despesas, que não tinham contraprestação de serviço, no sistema de TI.
Três analistas ouvidos pelo Valor criticaram o que entenderam ser falta de transparência da Hypermarcas ao tratar do tema, uma vez que os assessores externos foram contratados para fazer a investigação apenas em março e não houve abertura sobre essas informações nos resultados nem nas notas explicativas referentes aos números do primeiro trimestre. Na teleconferência com analistas, nada foi mencionado, assim como no parecer da KPMG.
Outro ponto que chamou atenção do mercado foi o de que Mello trabalhava com Junior há mais de três décadas, desde os tempos da Arisco, fundada pela família Alves de Queiroz. Sediada em Goiás, a Arisco cresceu beneficiada por incentivos fiscais e foi comprada em 2000 pela Best Foods, dona então da Refinações de Milho Brasil e que acabaria sendo adquirida pela gigante Unilever.
Mello foi diretor de marketing e de vendas da Arisco. Esta foi fundada em 1969, quando a família de Junior recebeu a receita de um sal temperado em pagamento de uma dívida. Antes da Arisco, Mello trabalhava na Cremalho, fabricante goiana de temperos. Quando Junior comprou a Cremalho, em 1980, Mello, que era gerente de vendas da empresa, foi junto.
A Arisco foi recomprada por Junior em 2001, quando o empresário começou a deslanchar a estratégia de expansão via aquisições, uma característica conhecida da Hypermarcas nos seus 15 anos.
Outro ponto marcante da empresa são os incentivos fiscais. Numa comparação, os tributos federais, estaduais e municipais consumiram 35% do valor adicionado total de R$ 8 bilhões contabilizado pela farmacêutica Aché entre 2010 e 2015.
Em igual intervalo, o peso dos impostos no valor adicionado da Hypermarcas foi de apenas 1% dos R$ 10,45 bilhões registrados nas demonstrações financeiras.
Segundo uma fonte, um tema em discussão no Congresso que prejudicaria a empresa seria a unificação da alíquota interestadual de ICMS em 4%.

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