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As diretrizes para a saúde formuladas pelo PMDB no documento "A Travessia Social", uma carta de intenções para um eventual governo de Michel Temer, a qual ÉPOCA teve acesso, ignoram problemas fundamentais do setor e ressaltam medidas redundantes. As propostas são vagas, não detalham como aumentar o apertado orçamento da Saúde e repetem conceitos já previstos em projetos em andamento, ainda que não implementados como haviam sido idealizados. "São propostas muito anódinas, não têm materialidade", diz Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), especialista em saúde coletiva. O documento elenca oito pontos em que o governo deve centrar esforços, como melhorar a gestão financeira do sistema de saúde, desenvolver parcerias público privadas e criar uma política de remuneração da rede de saúde tanto pública quanto privada atrelada ao desempenho e à qualidade do serviço prestado.
A falta de medidas concretas para aumentar as verbas destinadas à Saúde é uma das principais críticas. O documento cita a necessidade de "obter margem fiscal para elevar os recursos para o financiamento do sistema". A proposta do PMDB de ajuste e reforma fiscal, que deve inspirar um eventual governo Temer, foi apresentada em outro documento, chamado "Uma ponte para o futuro". Ele foi divulgado em outubro de 2015 e trata exclusivamente de economia.
"Se não resolver o financiamento da Saúde, qualquer proposta é firula", diz Scheffer, da USP. "É preciso obter novas fontes de financiamento para recuperar o que o SUS perdeu, mas sabemos que Temer defenderá a desvinculação orçamentária", afirma Scheffer. O documento "Uma ponte para o futuro" dá a entender que um possível governo Temer defenderia o fim da obrigatoriedade de manter fixo a parcela de gasto público dedicada à saúde. "O crescimento automático das despesas não pode continuar entronizado na lei e na Constituição, sem o que o desequilíbrio fiscal se tornará o modo padrão de funcionamento do Estado brasileiro", lê-se no documento do fim do ano passado.
Um dos pontos da nova carta de intenções cita a necessidade de desenvolver parcerias público-privadas "para estimular aumentos de produtividade e ganhos de eficiência". Na visão do economista Gustavo Andrey Fernandes, pesquisador do Departamento de Gestão Pública da Fudação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo, essa medida não garante mais eficiência. "Não é o caráter privado ou público que garante uma melhor qualidade no serviço", afirma Fernandes. Seriam necessárias reformulações na carreira de funcionários do SUS e dos médicos, além da determinação de metas para os gestores de saúde. "Pode-se estabelecer uma meta de erradicação de doenças parasitárias, por exemplo. Se ela não for cumprida, é gerada uma punição ao político, via julgamento nos Tribunais de Contas", diz Fernandes. Algo nesse espírito parece ser a essência de um dos pontos do plano, ainda que a responsabilidade pareça recair mais sobre os executores das medidas do que sobre os gestores das políticas. Fala-se em "uma nova política de remuneração dos provedores e unidades de saúde, associada ao desempenho e à qualidade do serviço prestado, aplicável aos estabelecimentos públicos e privados".
Quanto às políticas sanitárias, o documento dá ênfase à saúde preventiva, com foco no envelhecimento da população e no controle do tabagismo, alcoolismo, sedentarismo, stress laboral, acidentes de trânsito e violência. O caráter preventivo é ressaltado pelo objetivo de "universalizar o acesso ao Programa de Saúde da Família". A ideia é que o atendimento básico, conferido por uma rede local, sirva como porta de entrada para o paciente no sistema de saúde. O conceito que já faz parte do SUS, ainda que não seja colocado em prática de maneira uniforme por todo o país evita o agravamento de problemas simples e que pacientes de menor complexidade sobrecarreguem grandes serviços de saúde. "São medidas que cabem a Estados e Municípios. Para fazer isso, o governo federal teria de mais dinheiro para os municípios ou expandir programas como o Mais Médicos", diz Scheffer, da USP. São questões que custam muito, mas que não se diz de onde sairão os recursos. Não têm mágica."
Um dos pontos que chamam a atenção no plano é a implantação de um Cartão de Saúde que acumularia, desde o nascimento, todas informações de saúde. Seria uma maneira de melhorar a qualidade do atendimento e diminuir custos. Exames duplicados, por exemplo, podem ser evitados porque todos os serviços de saúde teriam acesso ao prontuário do paciente. Os dados ainda seriam usados para ajudar a planejar gastos e ações de saúde. A medida é bem intencionada, mas não fundamental. O remédio para a saúde passa primeiro por reformas estruturais, como novas fontes de financiamento, e pela maior responsabilização dos gestores. "O sistema é subfinanciado e concentrado na cura. É preciso aumentar o financiamento e priorizar a prevenção", diz Fernandes, da FGV. "Porém, sem mudanças nas regras estruturais e reformas nas carreiras, as chances de sucesso são pequenas ."