POR CELSO ARNALDO ARAUJO, Revista The President
Responsável por 77%* dos medicamentos de referência (de marca,
os primeiros a chegar ao mercado em cada nova categoria) e 46%* dos remédios de
prescrição (sob receita médica) consumidos no país, a Associação da Indústria
Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) reúne 51 das empresas de ponta. Também congrega
pesquisadores, instituições, fundações e universidades, na busca de
medicamentos que tragam importantes soluções terapêuticas – de longo
investimento em ciência.
Desde outubro de 2018, a associação está sob o comando de
uma nova executiva, Elizabeth de Carvalhaes. Ela é especialista em negociações
com governos e mercados internacionais, condição sine qua non para quem dirige
a Interfarma, já que o mercado farmacêutico é um dos mais regulados e
integrados do planeta. Elizabeth iniciou sua carreira executiva no mercado
automobilístico. Foi diretora de Relações Governamentais da Volkswagen do
Brasil. Depois, vice-presidente da Anfavea – Associação Nacional dos Fabricantes
de Veículos Automotores.
Seu notável desempenho no setor a levou à presidência da Associação
Brasileira de Celulose e Papel, a Bracelpa. Unificou cinco associações ligadas
à origem florestal pinhos e eucaliptos fundando a IBA. Em 2018, Elizabeth de
Carvalhaes se viu alçada ao comando da Interfarma. Os dois anos iniciais na
presidência da associação reafirmaram sua especialidade – o aprendizado da
dinâmica pública, que é fundamental no setor de saúde, regido por estritas
normas de vigilância que balizam qualquer lançamento de medicamentos.
Um quarto de sua gestão até aqui, à frente da Interfarma, foi
sob os desmandos virais da assustadora pandemia, que afetou o mercado de
múltiplas maneiras. Uma delas, como a presidente executiva da Interfarma
explica nesta entrevista, a explosão no consumo de certos medicamentos.
THE PRESIDENT – Você foi alta executiva das indústrias
automobilística e de celulose. Há pontos de contato entre automóveis, papel e
medicamentos?
Elizabeth de Carvalhaes – Minha carreira foi
construída na atuação e relacionamento entre governos. Há 38 anos frequento Brasília.
Colaborei na negociação de acordos bilaterais entre diversos países e o Brasil.
Dediquei muitos anos à Anfavea como vice-presidente, representando a
Volkswagen, e no agronegócio, na presidência da IBA. Essas experiências mostraram
a vida associativa, onde toda atuação é estratégica, e conduzem as decisões em
um modelo consorciado, distintos de interesses singulares corporativos. A
vivência com governos, o aprendizado da dinâmica pública e a experiência em
duas associações permitiram minha transição entre setores da economia.
Desde que a pandemia começou, as farmácias permaneceram
abertas – e continuaram muito saudáveis. O que você destaca no desempenho da
indústria farmacêutica nesse período dramático?
A indústria farmacêutica rapidamente absorveu a demanda
excepcional de certos medicamentos durante a pandemia. Analgésicos e relaxantes
musculares, por exemplo, passaram a ser consumidos em quantidade cinco vezes superior
ao habitual – e esse nível de consumo era global e não só no Brasil.
No caso da Interfarma, algumas associadas importaram
medicamentos de outras afiliadas da Europa, Austrália e até mesmo da Ásia, para
abastecer o mercado brasileiro. Mas não podemos deixar de destacar que, com a
pandemia, os custos de produção, a alta do dólar, custos e indisponibilidades
logísticas foram obstáculos para manter a cadeia produtiva eficaz e com
prontidão, para atender toda a demanda global.
A Interfarma congrega os laboratórios farmacêuticos de
pesquisa. É natural que esse setor deposite energias para desenvolver produtos
contra o grande inimigo. Isso tem acontecido?
Com certeza. Mais de 15 laboratórios em todo o mundo
trabalham na busca de vacinas e antivirais. Laboratórios internacionais, embora
concorrentes, se uniram na busca de uma solução. Falamos de uma cobertura
vacinal planetária. A solução está nas mãos da ciência. Acreditem na ciência.
Em que medida as vacinas contra a Covid-19 estão no
horizonte de nossas indústrias?
Brasileiros têm participado de pesquisas clínicas para
avaliar a eficácia dessas vacinas. E a demanda brasileira não é modesta com a
população que temos. É importante que o governo esteja atento, tanto na esfera
federal quanto estadual, ao momento oportuno de adquirir e a quantidade
necessária. Trata-se de demanda global nunca vista antes.
Pandemia à parte, a Interfarma está mobilizada para
reverter a enorme queda da cobertura vacinal no Brasil contra várias doenças
infecciosas?
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o Brasil possui
um Programa Nacional de Imunização extremamente bem-sucedido. Ao longo de 47
anos, o PNI se tornou referência mundial, por atender de forma universal e
gratuita, disponibilizando mais de 20 vacinas atualmente. Mas já vínhamos
observando, antes da pandemia, quedas nos índices de cobertura vacinal contra
diversas patologias.
Doenças que estavam sob controle sanitário voltaram a fazer
parte do nosso dia a dia, tais como sarampo, coqueluche e rubéola. Com a
pandemia, os índices de vacinação tiveram quedas mais acentuadas, fruto do
receio das pessoas em ir a um posto de vacinação.
Estamos trabalhando para apresentar ao governo um amplo
plano para mudar essa situação. A mudança inclui ampliar pontos de vacinação,
melhorar a capacitação dos técnicos nas UBSs, garantir a prevenção por
imunização em ampla campanha sobre manter as vacinas em dia e combater
conteúdos manipulativos (fake news). Todo cidadão deve saber quais são as
vacinas disponíveis no SUS e quando elas devem ser aplicadas.
Ainda há dificuldades para desenvolver e lançar um novo
medicamento no Brasil dadas as barreiras do sistema?
O desenvolvimento de pesquisa clínica no país tem sofrido
perdas consideráveis devido ao ambiente regulatório desfavorável. O tempo de
análise, um dos fatores que contribuem para essas perdas, é longo e não competitivo.
O Brasil ocupa a 25ª* posição mundial em participação em estudos clínicos, com
apenas 1,9%*.
Somos o sétimo maior mercado farmacêutico do mundo, nona
maior economia. Temos 212 milhões de habitantes (IBGE), elevada miscigenação
étnica, centros desenvolvidos para realização de pesquisas clínicas e
pesquisadores renomados. Não há justificava para uma posição de coadjuvante em
vez de protagonista.
Essa situação prejudica o país, que deixa de atrair
investimentos, de alavancar a pesquisa científica e de inovação e, o mais
importante, aumentar o acesso da população à saúde. O Brasil tem registrado os
prazos mais longos na realização de pesquisa clínica: em torno de sete meses,
em comparação à Argentina (3,5 meses), México (2,8 meses) e Polônia (2 meses).
A Anvisa tem trabalhado para que essa morosidade se reduza.
Com um corpo técnico pequeno na área de pesquisa clínica,
vem implementando estratégias para que o Brasil se torne competitivo. A
Orientação de Serviço 88/20, aprovada durante a pandemia, é um exemplo de
sucesso. A Anvisa passa a aceitar pesquisas clínicas realizadas e aprovadas por
órgãos reguladores internacionais de referência como no caso da FDA (EUA), do
EMA (Europa), MHLW / PMDA (Japão), Health Canadá e Swissmedic (Suíça). A Anvisa
estima que o prazo do estudo clínico no Brasil possa, então, ser reduzido em
até 60%.
Como os laboratórios representados pela Interfarma podem
ajudar nos nossos serviços de saúde?
Os laboratórios da Interfarma preocupam-se continuamente em
aumentar o acesso do paciente brasileiro à saúde. O SUS é o maior e mais
importante cliente dos laboratórios da Interfarma. Com pesados investimentos, nossos
laboratórios se esforçam na busca da cura, da longevidade e qualidade de vida
do paciente. Fizemos diversas parcerias na área de vacinas, no compartilhamento
de tecnologias com laboratórios públicos e, sobretudo, na incorporação de tecnologias
de última geração para terapias complexas. Medicamentos respondem por cerca de 14%
do orçamento público. E 6,5% do custo da saúde no sistema privado.
Com a dimensão do Brasil e sua elevada população, a busca
pela melhoria do acesso à saúde é dever de todo sistema de saúde.
A Interfarma reúne as indústrias responsáveis pela
produção de 80% dos medicamentos de referência. Como você vê o crescimento dos
genéricos no mercado brasileiro?
Nosso setor farmacêutico atende às diversas camadas
socioeconômicas da população. O crescimento dos genéricos e similares faz parte
do curso natural do ciclo de vida dos medicamentos. Também é sinal de que a
indústria é inovadora e está cada vez mais atenta às novas demandas da
sociedade por saúde. Vale lembrar que os genéricos e similares surgem somente
porque existem os medicamentos de referência.
Patentes de medicamentos com duração de dez anos, como
vigora hoje, estão de bom tamanho para a Interfarma?
Medicamentos podem levar até 20 anos de pesquisa e
desenvolvimento. A proteção de patente para um novo produto encoraja a contínua
busca por inovação e está diretamente ligada à atração de investimentos. Os medicamentos
produzidos por laboratórios da associados à Interfarma em sua maioria vêm ao
mercado sob a proteção de patentes. O Brasil tradicionalmente acumulava um
significativo atraso na concessão de patentes, fato que prejudicou o mercado
brasileiro.
Desde janeiro de 2019, o Instituto Nacional de Propriedade
Industrial – INPI comprometeu-se a reduzir o backlog em dois anos. Esse
trabalho tem se mostrado muito consistente: houve redução de 50% desse atraso.
Temos convicção de que, dentro de mais um ano, não haverá mais atrasos e as
empresas brasileiras usufruirão dez anos das patentes e poderão trazer ao país,
com mais agilidade, novas inovações em medicamentos.
Você atuou no setor que mais tem a ver com ecologia – a
indústria de papel e celulose. Depois presidiu a Indústria Brasileira de
Árvores. Como vê o desmatamento que hoje impera no país?
Esse tema é longo. O Brasil possui 62% de cobertura
florestal, 10 milhões de hectares de florestas plantadas de pinus e eucaliptos,
fonte hídrica de energia, e a maior frota circulante do mundo com combustível
renovável. Muito importante em um país como o Brasil dar uso econômico às florestas
nativas, inclusive à Amazônia, onde vivem 25 milhões de habitantes.
Há como fazê-lo sem perda para as florestas primárias. Esse
é um dos caminhos para a solução da exploração ilegal da Amazônia. Empresas brasileiras
atuam sob rígidos padrões de sustentabilidade e são exemplos reconhecido em
todo o mundo.
Das 51 indústrias associadas à Interfarma, não há mais do
que umas poucas dirigidas por mulheres. Isso ainda a inquieta?
A Interfarma possui, no rol de associados, nove mulheres
ocupando a liderança de laboratórios. Essa participação em diretorias e presidências
de empresas aumentou nos últimos 15 anos.
Hoje há grandes líderes femininas no comando de importantes
empresas, outras conduzindo nações, ou comandando a área de pesquisa cientifica
na saúde, agricultura, academia e em diversos outros setores. Tenho convicção
de que o empoderamento feminino, ampla representatividade de raça e da
comunidade LGBTQIA+, ou seja, a diversidade como um todo, é um debate que veio para
ficar. TP
*Guia 2020 – Interfarma