Valor Econômico
Jornalista: Tainara Machado, Camilla Veras Mota e Marta Watanabe
O primeiro passo que deveria ser dado em um eventual governo Michel Temer para superar a crise econômica, caso o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff autorizado pela Câmara seja aceito pelo Senado, é reconstruir alianças políticas e fortalecer a articulação com o Congresso, principais falhas da presidente no segundo mandato.
Para economistas, esse é o ponto de partida para fazer avançar uma longa agenda de ajustes que, no entanto, não difere muito do que vem sendo apresentado pela atual equipe econômica. A medida mais viável no curto prazo, ainda que não suficiente para restabelecer a ordem fiscal, seria aprovar a recriação da CPMF, já enviada ao Congresso pelo governo Dilma. Para convencer a sociedade e ganhar apoio parlamentar, a alta de impostos precisa vir acompanhada de cortes "na carne", dizem analistas, sejam eles em investimentos, no número de ministérios ou até em programas sociais.
Os economistas também apontam a necessidade de mudar a equipe econômica, com trocas no Planejamento, na Fazenda e no Banco Central. Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, "a equipe que parece estar sendo montada será uma que buscará melhorar a produtividade, algo que foi insistentemente esquecido nos últimos anos". Segundo ele, a troca de liderança e o maior espaço para articulação política se traduzem em mudanças de expectativa importantes no curto prazo, afirma. "Foram tantos erros acumulados nos últimos anos no “micro” e na “macro” que, ao montar uma equipe de boa qualidade, as soluções vão aparecendo."
Para os economistas, porém, mesmo que Temer seja bem-sucedido em melhorar a articulação política e aprovar o ajuste fiscal – tarefa que deve encontrar bastante dificuldade -, a retomada da economia deve ser modesta e insuficiente para obtenção de superávit primário nas contas públicas no ano que vem. "O déficit deste ano, na melhor das hipóteses, vai ser de 2% do PIB e temos uma alta de gastos “contratada” de uns R$ 100 bilhões, entre aumentos do funcionalismo e reajuste da Previdência", comenta Mansueto Almeida, especialista em finanças públicas. Se o governo conseguir inverter o sinal e reduzir um pouco o déficit, afirma ele, já será uma vitória.
Para ele, há pouco que se possa fazer para reverter essa trajetória no curto prazo "Temos crescimento real da despesa e arrecadação em queda. Como mudar isso no curto prazo? Só com carga tributária, e não é certo que governo Temer tenha força política para eventual CPMF", diz ele. Mansueto avalia que o melhor caminho seria anunciar um pacote de reformas, com prazos para envio e aprovação dos projetos no Congresso. "
As prioridades, diz, seriam dar solução definitiva ao impasse no projeto de alongamento da dívida dos Estados; estabelecer idade mínima para aposentadoria, com regra de transição; simplificar o sistema tributário, reduzindo o número de impostos; e fortalecer as agências reguladoras, para fazer deslanchar o programa de concessões de projetos para iniciativa privada. Com esse conjunto, o governo também poderia tentar recriar a CPMF, ainda que com alíquotas decrescentes, para reforçar o caráter transitório da contribuição.
Para Juan Jensen, economista-chefe da 4E Consultoria, além da agenda de longo prazo, que deveria ser apontada já no discurso de posse, um novo governo vai precisar apresentar também medidas mais imediatas, tanto no lado da receita quanto na despesa. Além da CPMF, diz, outra ação do lado da arrecadação pode ser o aumento da Cide sobre combustíveis, que não depende de aprovação no Congresso. "Outra questão é revisar alguns dos programas sociais. Não o Bolsa Família, mas outros, como o PAC, seguro-defeso. Há uma enormidade de programas e precisamos analisar o custo-benefício de cada um", diz.
Marcos Lisboa, presidente do Insper, também defende um levantamento de todos os programas sociais. "Hoje não sabemos que resultados esses programas trazem. É preciso saber quais funcionam e a quem atendem", diz ele. Para o economista, devem ser priorizados os programas das áreas de saúde e educação e os que possam efetivamente atender aos 40% mais pobres.
Paralelamente, diz Lisboa, também deve ser montada uma agenda de estímulo à produtividade dentro do qual é preciso estabelecer novos marcos regulatórios e recobrar a credibilidade na área de infraestrutura. "Os investidores precisam saber que não haverá mais intervenções arbitrárias nesses contratos de longo prazo", diz.
Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil, também aponta as concessões como uma saída de curto prazo para estimular a economia. "Com reforma no arcabouço institucional, poderia aumentar a atração de capital estrangeiro, o que ajudaria em dois vetores: receitas extraordinárias e perspectiva de maior crescimento econômico", diz.
Entre as reformas, Leal considera prioritárias a da previdência pública, por atingir um número menor de pessoas, e certa flexibilização da lei trabalhista, com primazia do negociado sobre o legislado. Para ele, caso Temer de fato assuma a Presidência, pode ter cerca de três meses de "lua de mel" para aprovar essas medidas, mas nada garante que terá apoio político.
Por não ter a mesma legitimidade de um presidente eleito pelo voto, e por não ser unanimidade mesmo entre os defensores do impeachment, Thaís Zara, economista-chefe da Rosenberg, pondera que Temer pode ter dificuldade para levar a agenda do "Ponte para o Futuro" adiante. "O mais provável é que a onda de otimismo recue antes de o país começar a colher qualquer resultado concreto do novo governo", diz em relatório.
Mesmo a capacidade de Temer de entregar medidas de curto prazo com impacto sobre a delicada situação fiscal das contas públicas gera dúvidas, avalia a consultoria política Eurasia. A consultoria, porém, acredita que as indicações para o comando do Ministério da Fazenda e do BC provavelmente terão orientação pró-mercado.
Qualquer movimento em relação a essas nomeações deve ser recebido positivamente pelos mercados em um primeiro momento, afirma João Pedro Ribeiro, estrategista da Nomura Securities. "Nós ressaltamos, entretanto, que o impeachment por si só não resolve os diversos problemas políticos do Brasil, que poderiam comprometer a governabilidade e diminuir as chances de reformas significativas no futuro", diz em relatório.
O economista avalia ainda que a mudança de governo não deve ter impacto significativo sobre a atividade. Como os possíveis "drivers" de crescimento – consumo e investimento – continuam bastante comprometidos pela recessão, ele mantém sua estimativa de retração de 3,5% para o PIB neste ano e de leve melhora em 2017, com alta de 1%.