Setor Português 15/07/2015

O SUS, de maior política de inclusão social capitulada na Constituição, está a caminho de um colapso, mais parecido com um paciente em estado terminal

O GLOBO
Por José Agenor Álvares da Silva, ex-ministro da Saúde
A Emenda Constitucional nº 86/2015, mais conhecida como emenda do “orçamento impositivo”, trará consequências altamente negativas para o financiamento da Saúde no Brasil a partir de 2016. É o que avaliam gestores públicos e de dez entre dez economistas que analisam os gastos federais com o setor.
Ao não convalidar projeto de inciativa popular, com mais de dois milhões e duzentas mil assinaturas, que propunha a vinculação dos recursos do governo federal em 10% das receitas correntes brutas para a Saúde criou-se um vácuo. O projeto perdeu o espírito inicial e foram produzidas modificações fortemente prejudiciais ao setor.
A principal modificação se deveu à vinculação de 15% das receitas correntes líquidas, escalonado em cinco anos, iniciando em 2016 com 13,2% do orçamento, até se atingir o valor aprovado apenas em 2020. A exemplo do que ocorreu com o orçamento de 2015 para a saúde, esse valor poderá ser modificado, com contingenciamentos sem considerar as prioridades do setor.
Duas outras medidas, igualmente danosas ao financiamento do setor saúde, também foram incluídas: a destinação de emendas parlamentares impositivas para compor o orçamento do Ministério da Saúde e os recursos provenientes da exploração do petróleo no pré-sal. Essas duas medidas foram consignadas, não como fontes complementares como se esperava, mas como fontes próprias do orçamento, absolutamente na contramão de qualquer racionalidade política.
A primeira medida visa a compromissos paroquiais dos parlamentares com suas bases políticas, que mesmo justas, na maioria das vezes, não guardam relação direta com a política de saúde. Já a segunda, da extração de petróleo em águas profundas, cuja expectativa inicial, de se tornar uma fonte complementar de recursos para o já minguado orçamento, se frustrou, pois foi elevada à categoria de fonte substituta.
Essa emenda aprofundou ainda mais o abismo existente entre as necessidades de atenção à saúde das pessoas e a capacidade do estado em provê-las. Já o Sistema Único de Saúde (SUS), de maior política de inclusão social capitulada na Constituição, está a caminho de um colapso, mais parecido com um paciente em estado terminal. Estará em curso algum estudo de modelo alternativo, tipo contributivo ou subsidiado, a ser oferecido à população para “livre escolha”?
Na abertura da 7ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília nos idos de 1980, o então presidente da Organização Mundial de Saúde, Halfdan Mahler, em pronunciamento de abertura daquela conferência, perguntou aos dirigentes brasileiros presentes: “Os senhores estão dispostos a defrontar seriamente o abismo que separa os “privilegiados” dos “despossuídos” em matéria de saúde e a adotar medidas concretas para reduzi-lo? E como conceber o sistema mais eficaz de prestação de serviços de saúde partindo da base de que o que realmente importa são as pessoas?”
Esse discurso de Mahler veio ao encontro da luta empreendida por amplos setores da sociedade brasileira à época, de mudança de um sistema previdenciário e excludente, então vigente, para um sistema de saúde pública sem distinção de direitos. Essa luta social culminou na criação do SUS, estatuído na Constituição.
O SUS, que sempre foi marca de cidadania e direitos para toda a população, sem distinção de classe, clama por um financiamento público, com responsabilidade cívica do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e também da sociedade. Porque, o que realmente importa são as pessoas.

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