Por Alberto Carlos Almeida
Para o Valor Econômico
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro"
Quando Marina Silva foi escolhida candidata a vice na chapa de Eduardo Campos, tive a oportunidade de publicar um artigo nesta coluna cujo título era "Vice é Rubinho Barrichello". Tratava-se de uma referência ao fato de que o vice não importa diretamente para o eleitor. Em minha argumentação, sustentada por dados, previa que Marina não teria a capacidade de levar votos para Eduardo Campos. Isto acontece porque os eleitores não votam por conta de apoios políticos. Marina de vice não é o mesmo que Marina na cabeça de chapa. Tanto isso é verdade que, agora que Marina foi alçada à condição de candidata a presidente, a intenção de voto em seu nome é bem maior que a de Eduardo Campos. A lição é simples: vota-se em Marina, mas não se vota no candidato apoiado por ela.
Outra lição pode ser retirada da subida meteórica de Marina nas intenções de voto: a absoluta irrelevância das máquinas políticas e do apoio dos políticos. Acreditar na força eleitoral do apoio de políticos é uma forma de pensamento mágico. A liderança de Marina nas pesquisas de intenção de voto para o segundo turno ocorreu sem que ela tenha tido sequer um mísero apoio de um governador de Estado, senador, deputado ou de qualquer máquina política partidária. Nem mesmo o apoio oficial do PSB aconteceu antes que ela tivesse alcançado a liderança, quando seu nome era confrontado com o de Dilma.
Na verdade, é bem provável que a partir de agora ocorra o inverso: muitas máquinas políticas vão apoiar Marina, porque ela está liderando as pesquisas de intenção de voto em segundo turno. Se isso acontecer, de nada servirá ao PSDB ter o controle dos dois maiores colégios eleitorais do Brasil, São Paulo e Minas, que, somados, entram com 34% dos votos válidos em eleições presidenciais. Todas as análises que relacionam força dos apoios regionais e favoritismo no voto nacional sempre estiveram erradas. O que ocorreu agora foi um episódio que revelou tal erro. Haverá quem revise tais análises e afirme que, para se manter competitivo nas intenções de voto, é preciso ter o apoio das máquinas regionais. Isso é algo que ainda será testado no decorrer da campanha.
Marina tem a atual força eleitoral por alguns motivos. O primeiro é que ela já foi votada por 20% do eleitorado brasileiro em 2010. Esta é a proporção de pessoas que entrou na cabine de votação, digitou o número de Marina, apertou a tecla "confirma" e ouviu o barulhinho que encerra o voto. O retorno de Marina à campanha eleitoral reaviva a memória do voto nesse eleitorado. Quem votou uma vez em Marina vota uma segunda com facilidade. O segundo motivo é que Marina ocupa o terreno da oposição, e aqueles que rejeitam o governo Dilma tendem a votar em candidatos de oposição. Quanto a isso, Marina disputa os mesmos eleitores de Aécio.
O terceiro motivo é o mais importante, ao menos para aqueles que se perguntam por que Marina pode ser mais competitiva do que Aécio em seu embate contra Dilma. Em política, o símbolo importa, e muito. Dilma, para o eleitorado, é símbolo. Aécio também. A grande questão é saber o que cada um simboliza para além do fato óbvio de Dilma simbolizar o governo e a continuidade e Aécio, a oposição e a mudança. Marina simboliza Lula. O que a aproxima do petista é sua trajetória de vida, assim como várias de suas características pessoais. Marina e Lula são a cara do povo brasileiro, são parecidos com o eleitor médio.
Ninguém afirmou que os protestos de junho de 2013 aconteceram, entre outras razões, porque Lula não era mais presidente. Isso mesmo. O governante máximo da nação representava de forma cristalina seu povo. Lula vinha de baixo e era presidente. Lula não tinha origem na classe média, muito menos na elite. Exatamente por isso, pensavam os eleitores, a vida tinha melhorado tanto. Somente uma pessoa que tinha passado pelas mesmas dificuldades da maioria da população poderia compreender suas agruras e fazer um governo que as aliviasse. Por isso, a população gostava tanto de Lula. Por isso, Lula blindava todo o sistema político face aos protestos. O eleitor sabia que governadores e prefeitos eram da elite. Mas qual a importância disso, uma vez que o presidente viera de baixo? Eis a blindagem: quem tem Lula como presidente não precisa de mais nada. Os protestos pós-era Lula foram a mais eloquente expressão de saudade dedicada a um ex-presidente.
Os pais de Marina tiveram 11 filhos, ela morou em palafita, contraiu hepatite, perdeu uma irmã vítima de sarampo e outra, vítima de malária, perdeu a mãe quando tinha 14 anos, trabalhou como empregada doméstica, aprendeu a ler e escrever aos 17 anos de idade pelo Mobral, o programa de alfabetização da ditadura militar, foi professora e teve formação sindical junto ao sindicato dos professores, com o renomado líder seringueiro Chico Mendes, fundou a Central única dos Trabalhadores (CUT) no Acre, foi eleita vereadora em 1988, deputada em 1990 e senadora em 1994 e reeleita em 2002.
Os pais de Lula tiveram oito filhos, ele se saiu do Nordeste para São Paulo com a mãe e os irmãos em um pau-de-arara, perdeu o pai, que foi enterrado como indigente, aos 33 anos de idade, já em São Paulo começou a trabalhar aos 12 anos em um tinturaria, aos 14 anos deixou a escola para trabalhar em uma siderúrgica, filiou-se ao sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema em 1968, foi líder das greves dos metalúrgicos do ABC no final dos anos 1970, fundou o PT em 1980, foi eleito deputado em 1986, presidente em 2002 e reeleito em 2006.
As trajetórias pessoais de Lula e Marina os aproximam da grande maioria dos brasileiros na dureza da vida, na perda precoce de parentes próximos, nas dificuldades para morar bem, nos obstáculos para se educarem, no começar a trabalhar cedo, na necessidade de se mudar para melhorar de vida. Isso está escrito em suas respectivas maneiras de falar, gestos, postura corporal e tipo físico. Tais semelhanças são vistas pelo eleitorado e podem ser detectadas por meio de pesquisas de opinião quando são analisados os atributos "é gente como a gente" e "entende o problema dos pobres".
Desde 2010, às vésperas da eleição, mais de 50% dos eleitores que conheciam ou conheciam bem Marina afirmavam que ela "entende o problema dos pobres". Considerando-se que ela não tinha o apoio de Lula e que era sua primeira eleição nacional, trata-se de uma proporção bastante elevada.
No Brasil, há uma enorme riqueza simbólica na pobreza. Isso está cabalmente expresso tanto em ditados populares, quanto em episódios que marcaram nossa história política. Diz-se "sou pobre, mas sou honesto", "pobre, mas não da graça de Deus", "quando o rico corre é atleta, quando o pobre corre é ladrão". Há uma miríade de ditados, e em todos o pobre é o sofredor, em algum é quem tem dignidade. O impeachment de Fernando Collor teve um motorista, pobre, como protagonista. As denúncias que atingiram Antonio Pallocci quando era ministro da Fazenda de Lula devem-se ao testemunho de um caseiro, pobre. Ambos os episódios foram uma manifestação concreta da riqueza simbólica da pobreza.
A marca registrada de Marina é sua semelhança com Lula nos dois atributos que a aproximam do eleitor médio. Sua força na intenção de voto é resultado de seu "recall" e dessas características. Há, no eleitorado, demanda por um candidato cujas principais motivações do voto sejam essas. Tal candidato esteve presente em todas as eleições que Lula disputou e esteve presente na eleição passada por meio de Marina. Ela está de volta.