
Laboratórios saem em defesa da Anvisa contra ministério
Valor Econômico | Jornalista: Stella Fontes e Ligia Guimarães
A indústria farmacêutica nacional e estrangeira com presença no Brasil decidiu se manifestar publicamente a favor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no caso da importação de medicamentos para doenças raras. O Ministério da Saúde tem defendido a compra pública de tratamentos para essas enfermidades com a dispensa de um documento considerado essencial para garantir que o produto é autêntico, sob o argumento da redução de custos.
O Valor informou, na quinta-feira, que Anvisa e Saúde estão travando uma guerra em torno desse tema. Em nota conjunta distribuída no início desta manhã, a indústria, representada por quatro associações, informa que “estranha a atitude de autoridades que, inadvertidamente, atuam para destruir o consistente arcabouço regulatório sanitário instituído no país”.
No documento, as farmacêuticas reconhecem que tanto as regras quanto o trabalho do órgão regulador “não são perfeitos, nem a relação entre o setor regulado e o órgão regulador é isenta de divergências e polêmicas eventuais”. “Mas a seriedade e a capacitação técnica da agência são inegáveis”, destacam.
As farmacêuticas decidiram por um posicionamento público a favor da agência, representadas pela Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica de Pesquisa e de Capital (Grupo FarmaBrasil), Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (PróGenéricos) e Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma). Dizem que não se trata de “mera questão comercial e burocrática, como se pretende fazer crer”. Ao ignorar regras sanitárias, alegam, a saúde da população é colocada em risco.
Enquanto o impasse não é resolvido, pacientes morrem antes de receber os medicamentos. Na Paraíba, Jucilene Sousa, de São João do Rio do Peixe e portadora de mucopolissacaridoses (MPS), morreu aos 18 anos em dezembro do ano passado, após quase três meses sem ter o remédio prescrito para que ela tomasse cinco vezes por semana. Sua irmã, Janaíra, diz que ela vinha melhorando durante o ano em que esteve em tratamento.
“Custava R$ 1.530 cada ampola, e ela precisava de cinco por semana”, diz Janaíra, que vive com a família da renda do pai, que trabalha como pedreiro. “A última fez que ela tomou o remédio foi dia 10 de outubro, não recebeu mais. Mandaram a gente aguardar. Dois meses depois ela piorou de vez. Teve uma crise convulsiva e não voltou mais”, diz a irmã, que teme que a história se repita com o irmão caçula, de 14 anos, que também sofre de MDS e está sem o medicamento há quatro semanas. “Ele sempre pergunta o que vai acontecer com ele se a medicação não chegar. Eu respondo que o remédio vai chegar e não vai acontecer nada”, diz.
O ministro Ricardo Barros, que em abril deixa a pasta para tentar se reeleger deputado federal, disse ao Valor que não dá para afirmar que os pacientes como Jucilene, por exemplo, morreram por ficar mais de dois meses sem a medicação diária. “As pessoas morrem tomando o medicamento ou não tomando o medicamento”, disse.
Questionado sobre o que a pasta tem a dizer a quem espera o remédio, Barros orientou que aguardem o tempo da Justiça, já que o ministério quer entregar os medicamentos, mas não prevê nenhuma ação para acelerar o processo. “Nós vamos aguardar. São oito processos que estão judicializados, pode cada um cair na mão de um juiz e cada um ter um caminho diferente”. E se as famílias ficarem sem o medicamento por meses? “Isso é um problema da Justiça”, afirmou o ministro, que recomenda que os próprios pacientes pressionem o Judiciário.
“O que a Anvisa quer é exigir para as dispensas de licitação os documentos que são exigidos para a licitação”, diz o ministro, sobre o que define como “excesso de zelo”. Barros minimizou o risco de que, sem o documento, os medicamentos sejam falsificados. “Vamos fazer os testes nos medicamentos que chegarem. Se a pessoa trouxer o medicamento falsificado ela vai responder por isso.”
O senador Romário Faria (PSB-RJ) diz que 12 pessoas com doenças raras teriam morrido recentemente em função do atraso na importação dos medicamentos. Na visão do senador, o problema é antigo e não existe justificativa para que o Ministério da Saúde, a Anvisa, fabricantes e distribuidores de medicamentos “não sentem todos na mesma mesa e se entendam”. “Cada ministro que entra, começa tudo do zero. E alguns, como o ministro atual, parece que estão mais preocupados em se eleger do que em resolver os problemas da saúde”, criticou, por e-mail.