Valor Econômico
Jornalista: Marina Falcão
A Justiça Federal de Brasília decidiu revogar a decisão do ministro da Saúde, Ricardo Barros, de suspender o contrato entre a estatal Hemobrás, em Goiana (PE), e a irlandesa Shire. O Ministério da Saúde tinha suspendido unilateralmente o acordo entre as empresas há duas semanas, levando a Shire à Justiça. Ao Valor, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse que ainda não teve acesso à decisão, mas que o órgão vai recorrer.
A rescisão do acordo com a empresa seria o primeiro passo para uma parceria com a suíça Octapharma, que construiria uma fábrica de recombinante, um medicamento para hemofilia, em Maringá (PR). Trata-se da cidade natal do ministro e onde seu irmão, Sílvio Barros (PP), disputou o pleito municipal, no ano passado.
O ministro disse que, de fato, existe uma proposta do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) para levantar uma fábrica de recombinante em parceira com a Octapharma. Questionado sobre o porquê da fábrica ser em Maringá, ele diz que a fábrica pode ser levantada \”em vários lugares\” e que em Maringá há um terreno \”liberado, livre de problemas\”. Segundo Barros, o terreno da sede Tecpar em Curitiba está sub judice \”e eles não conseguem o investimento na capital ou em Ponta Grossa\”.
Desde 2010, já foram investidos R$ 820 milhões na Hemobrás, mas ainda falta cerca de 30% para o projeto ser concluído. A Octapharma estaria disposta a investir US$ 250 milhões na fábrica da Hemobrás em Pernambuco, mas a unidade ficaria apenas com a produção de medicamentos derivados do plasma, que, por lei, não podem ser comercializados.
Ao mesmo tempo, a Octapharma investiria mais US$ 200 milhões para construir uma unidade em Maringá para produzir recombinante, medicamento com o qual se pode obter lucro.
Há uma semana, o Ministério Público da União (MPF) entrou com um pedido de liminar para reverter a suspensão do contrato no Tribunal de Contas da União (TCU), que até agora não se pronunciou. O processo estava nas mãos do ministro Augusto Nardes e foi transferido ontem para relatoria do ministro Vital do Rêgo.
A bancada de Pernambuco se reuniu para pressionar o TCU. \”A suspensão do contrato da Shire faz parte do plano do ministro de esvaziar a empresa em Pernambuco e construir uma nova fábrica em Maringá\”, disse o senador Humberto Costa (PT), em nota. Costa era ministro da Saúde quando a Hemobrás foi idealizada.
Segundo a Shire, o Ministério da Saúde não apresentou explicação sobre os motivos da suspensão do contrato, \”que lhe pareceu arbitrária\”. A empresa diz que já tentou por quatro vezes, desde outubro, dar início a tratativas com o Ministério da Saúde para apresentar uma proposta de reestruturação da parceria com a estatal, mas não recebeu resposta do órgão.
\”O que tenho por escrito da Shire é uma proposta de US$ 30 milhões de investimentos, enquanto da Tecpar/Octapharma tenho uma proposta de investir US$ 250 milhões\”, disse Barros.
A Shire, por sua vez, diz que pode investir U$ 293 milhões para conclusão na fábrica, desde que \”certos requisitos\” sejam negociados e acordados.
Se a parceria com a Shire for mantida, o governo federal teria ainda que investir R$ 350 milhões para deixar a unidade de recombinante pronta. \”O que há é uma intenção de resolver os problemas. Não há dinheiro público para fazer investimento\”, disse o ministro.
Os prejuízos acumulados da Hemobrás somam R$ 564 milhões. No ano passado, a estatal apresentou lucro de R$ 117, 1 milhões, seu primeiro resultado positivo na história. No período, a receita líquida da empresa alcançou R$ 605 milhões, alta de 60% em relação ao ano anterior.
Em sua decisão para restabelecer o contrato entre Shire e Hemobrás, o juiz Frederico Botelho, da 4ª Vara Cível do Distrito Federal, afirmou que \”um medicamento que combate a hemofilia não pode ter paralisado sua fabricação sem a administração demonstrar, ainda que perfunctoriamente, que a população que necessita do medicamento não será desabastecida\”.