Valor Econômico
Jornalista: Bárbara Mengardo
A Justiça Federal começou a julgar os processos propostos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para alterar o prazo de vigência de patentes depositadas entre 1995 e 1997, o que, na prática, reduziria o tempo de proteção. As primeiras sentenças são contrárias à tese da autarquia, mas ainda cabe recurso.
Por meio de 37 ações, o INPI tenta alterar as patentes concedidas a 247 medicamentos e agroquímicos. De acordo com informações veiculadas pela autarquia na época em que os processos foram propostos, os registros questionados são de medicamentos usados no tratamento de câncer, aids, disfunção erétil, enxaqueca, candidíase e psoríase.
O INPI alega que os depósitos, feitos pelo sistema mailbox, teriam validade de 20 anos a partir do depósito, e não de dez anos contados da concessão do registro. A alteração, que segue recente parecer da procuradoria do órgão, poderia reduzir em até seis anos o prazo de vigência das patentes questionadas.
Já foram proferidas pelo menos quatro sentenças relacionadas ao tema, todas desfavoráveis ao INPI. As decisões são da 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro, uma das quatro especializadas em propriedade industrial do Estado.
Nas decisões, o juiz Eduardo André Brandão de Brito Fernandes destaca que as ações demonstram a demora para a concessão de patentes. “É assustador que o INPI reconheça de uma forma tão explícita que os depósitos de patente demoraram no Brasil em média mais de dez anos [para serem aprovados]”, afirma em uma das sentenças.
O sistema mailbox foi criado após o Brasil adotar o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips, na sigla em inglês), em vigor desde janeiro de 1995. Até então, o país não tinha um sistema para a proteção de medicamentos, que só surgiu com a edição da Lei de Propriedade Industrial – Lei nº 9.279, de 1996.
O acordo previa que as patentes depositadas até a aprovação da norma deveriam ser protegidas. Desta forma, as patentes depositadas entre 1995 e 1997 – ano em que a Lei nº 9.279 passou a valer – formaram uma fila de espera, aguardando pela regulamentação.
Em relação a esses pedidos, a Lei de Propriedade Industrial define que as patentes deveriam ser analisadas até 31 de dezembro de 2004. O prazo, entretanto, não foi cumprido, o que gerou a discussão.
A Lei nº 9.279 prevê que as patentes podem valer por 20 anos da data do depósito ou dez anos a partir de sua aprovação, dependendo do que for mais benéfico às companhias. As empresas que realizaram depósitos pelo sistema mailbox foram originalmente encaixadas na segunda situação.
Nas ações, o INPI alega que seria irregular manter a vigência das patentes por um tempo maior e, portanto, deveriam ser anulados os registros. Em caso de o pedido não ser atendido, a autarquia defende que as patentes devem valer por 20 anos, a contar da data do depósito, o que faria com que caíssem em domínio público entre 2015 e 2017. “As empresas receberam as concessões do próprio INPI e anos depois são surpreendidas com essa mudança de entendimento”, diz o advogado André Oliveira, do Daniel Advogados.
Ao negar os pedidos do INPI, o juiz destacou ainda que as empresas não podem ser penalizadas por terem confiado em um documento emitido pelo próprio INPI. “Os réus, após tanto tempo com seus depósitos de patentes sendo apreciados, têm todos os motivos para crer que seus direitos valeriam por dez anos, afinal a administração pública, por meio do INPI, não tentaria punir os particulares”, afirma o magistrado.
As sentenças já proferidas mantêm o tempo de vigência de 21 patentes, pertencentes a 19 companhias. Devido ao tempo decorrido desde o depósito, entretanto, pelo menos nove registros não estão mais sendo mais usados.
Grande parte das ações envolve empresas estrangeiras, o que, de acordo com o advogado Joaquim Eugênio Goulart, do Dannemann Siemsen Advogados, gerou mal-estar. “Vários dos nossos clientes ficaram, no mínimo, espantados. O Brasil já tem a fama de demorar demais para analisar as patentes e a situação agora piora com essa atitude do INPI”, diz Goulart, que defende 75 empresas com patentes questionadas.
Já o advogado Gabriel Leonardos, do Kasznar Leonardos Propriedade Intelectual, afirma que a possível anulação dos pedidos também poderia trazer consequências graves às companhias. Isso porque a nulidade tem efeito retroativo, o que poderia gerar, por exemplo, pedidos de empresas licenciadas requerendo os royalties pagos indevidamente ou até pedidos de indenizações por companhias condenadas por pirataria. Leonardos representa seis empresas que possuem patentes questionadas.
Procurado pelo Valor, o INPI informou que não irá se pronunciar até o trânsito em julgado das ações judiciais.