Valor Econômico
Peter Loftus
À medida que despontam candidatas a uma futura vacina contra a covid-19, governos e laboratórios farmacêuticos estudam a forma como devem lançá-las, inclusive a possibilidade de reservar os primeiros lotes para trabalhadores do setor de saúde.
Ao menos oito entre as mais de 100 vacinas em desenvolvimento no mundo já estão na fase de início de testes clínicos em seres humanos incluindo as de nomes como Moderna e Pfizer. Ao mesmo tempo, gigantes como Johnson & Johnson, AstraZeneca e Sanofi estão ampliando a capacidade para ter condições de fabricar centenas de milhões de doses de vacinas próprias ou de parceiros.
Os esforços fazem parte de um quadro mais amplo, que inclui a Casa Branca, para levantar recursos que possibilitem acelerar os testes clínicos e aumentar a capacidade de produção, de forma que seja possível começar a ter doses disponíveis nos EUA ainda no quarto trimestre deste ano.
Ainda não há, contudo, garantia de que alguma das candidatas à vacina em fase mais adiantada funcionará com segurança em um cronograma tão apertado.
Uma vez que fique comprovado nos testes clínicos que uma vacina funciona bem nos requisitos de segurança, os laboratórios farmacêuticos esperam que a Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos EUA, atue com rapidez para liberar seu uso, mesmo se o órgão não puder contar com todas as evidências que normalmente recolhe antes de dar uma aprovação.
A FDA autorizou em 1º de maio um uso emergencial desse tipo no caso do remdisivir, medicamento da Gilead Sciences, para tratar pacientes hospitalizados com covid-19, dias depois de um estudo mostrar que o medicamento ajudava a reduzir o período de internação.
A agência, que regulamenta remédios e vacinas, “fará uso de todas as autoridades apropriadas e propiciará rápida assessoria para acelerar o desenvolvimento e a disponibilidade de uma vacina segura e eficaz contra a covid-19”, disse um porta-voz da FDA.
Muitos laboratórios farmacêuticos que vêm ampliando sua capacidade de produção de vacinas contra o coronavírus se comprometeram a ter condições de entregar milhões de doses neste ano. Um suprimento suficiente para vacinar a população como um todo, no entanto, poder não estar disponível nos primeiros meses de 2021, segundo projeções de empresas e estimativas de especialistas.
Autoridades de saúde e especialistas em vacinas esperam que mais de uma candidata cruze a linha de chegada, para ampliar o número de doses disponíveis.
“Idealmente, gostaríamos de ter sete ou oito bilhões de doses no dia seguinte ao licenciamento, para podermos vacinar o mundo inteiro”, disse Walter Orenstein, diretor associado do centro de vacinas da Emory University, em Atlanta. “O provável é que não tenhamos o suficiente nem para vacinar toda a população dos EUA” quando a vacina estiver disponível, disse.
A perspectiva de um fornecimento inicial limitado desencadeou uma série de manobras a respeito de que países receberiam as primeiras doses. Empresas que recebem doações do governo americano, como J&J, Moderna e Sanofi, reservariam algumas doses para a população americana, preveem fontes do setor farmacêutico.
A Coalizão de Inovações em Preparação contra Epidemias (Cepi), que promove a alocação equitativa de vacinas pelo mundo, recentemente assinou acordo para dar mais de US$ 380 milhões à Novavax, de Gaithersburg, Maryland, para ajudar a criar uma vacina que seria produzida em vários países para distribuição mundial.
Nos EUA, alguma agência federal, como o Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC), provavelmente ficaria encarregado de decidir onde vacinas recém-autorizadas deveriam ser entregues e que grupos seriam primeiro imunizados, segundo especialistas.
Para a imunização contra o coronavírus, autoridades de saúde nos EUA discutem a opção de mobilizar uma rede existente de agências estatais que organizam programas de vacinação infantil em clínicas públicas e em prestadores privados de assistência médica sob supervisão do CDC, diz Claire Hannan, diretora da Associação de Administradores de Imunização (AIM), que representa autoridades estatais de imunização.
Os prováveis grupos que estariam no começo da fila incluem primeiros socorristas e funcionários da área de saúde na linha de frente, além de trabalhadores de supermercados, farmácias, processadores de alimentos e funcionários que fiscalizam o trânsito, segundo Paul Offit, diretor do Centro de Educação sobre Vacinas do Hospital Infantil da Filadélfia, que trabalha em um comitê com técnicos do governo federal e do setor farmacêutico que tenta acelerar o desenvolvimento de uma vacina.
A Johnson & Johnson prevê contar com os primeiros lotes de sua vacina no início de 2021. Segundo o diretor científico da empresa, Paul Stoffels, esses lotes seriam suficientes para vacinar mundialmente os trabalhadores de saúde. A empresa prevê ainda produção de mais 1 bilhão de doses.
A Moderna vem expandindo sua capacidade de produção de vacinas, inclusive por meio de parceira com a fabricante terceirizada suíça Lonza, para dezenas de milhões de doses por mês até o fim do ano e, em algum momento até 1 bilhão de doses por ano, disse o executivo-chefe Stephane Bancel.
Uma questão em aberto é se os mais idosos poderão se beneficiar de uma vacina. Os sistemas imunológicos perdem força com a idade, o que pode reduzir a eficácia das vacinas em pessoas mais velhas.
Parte da incerteza está na forma como foram idealizados alguns dos primeiros testes para a vacina, que incluíram voluntários saudáveis de entre 18 e 55 ou de 60 anos, para permitir leitura mais rápida sobre os requisitos de segurança em pessoas que teriam mais chances de suportar efeitos colaterais.
Na Europa, o Reino Unido anunciou ontem que, além dos US$ 101,4 milhões disponibilizado às universidades para desenvolver uma vacina, há planos para se investir mais US$ 112,3 milhões.
Ontem ainda o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), Jay Powell, alertou que a economia americana pode não \”se recuperar completamente\” até que haja uma vacina.