Valor Econômico
Abrigada, ao longo da crise brasileira, sob um invejável crescimento anual de dois dígitos, a indústria farmacêutica passou a experimentar redução de vendas físicas neste ano, especialmente para o varejo de medicamentos. As farmácias e drogarias representam 59% das vendas do setor farmacêutico, enquanto o mercado institucional – hospitais, clínicas e governos – responde por 41%. Mas a perspectiva é que, ao fim de 2018, haja uma expansão na indústria na casa dos 9% a 10%.
Os analgésicos, os ansiolíticos (para crises de ansiedade e síndrome do pânico), os antidepressivos, os medicamentos para diabetes, pressão arterial e outras doenças cardíacas seguem liderando na expansão da demanda brasileira por remédios.
Os números da indústria farmacêutica de 2017 já mostravam um ritmo menor de crescimento. Descontadas as vendas governamentais (como Fiocruz, Butantan), a receita foi de RS 56,83 bilhões ou 3,92 bilhões de unidades (caixas, blisters, frascos), uma expansão, respectivamente, de 11,8% e de 6%. Os dados são da IQVIA, consultoria americana especializada no setor farmacêutico e saúde. Em 2016, o crescimento da receita foi de 13,6% e de 8,6% para o volume físico de medicamentos. A projeção para 2018 mostra outra redução no ritmo da expansão, para 3,55% no faturamento e de 2,2% nas vendas em unidades, descontadas as vendas das estatais.
“Nos dados anualizados, até abril de 2018, vimos uma receita projetada de RS 58,8 bilhões, e o ritmo de investimentos do setor segue firme, focado em expansão da capacidade com novas unidades e nos lançamentos de medicamentos pelos laboratórios autorizados pela Anvisa”, afirma Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos do Estado de São Paulo (Sindusfarma), Estado que responde por cerca de 75% das vendas da indústria. A maior fatia do mercado nacional está nos medicamentos sob prescrição médica, que representam 47% da comercialização da indústria, exatamente a faixa na qual os laboratórios farmacêuticos obtêm sua maior margem de lucro.
No entanto, apesar do crescimento contínuo do mercado, os marcos regulatórios da saúde e o custo Brasil seguem sendo apontados pela indústria, principalmente pelas multinacionais, que lideram a prospecção de novas moléculas no mundo, como empecilhos para fortes investimentos em princípios ativos para remédios e mais medicamentos de alta complexidade no país.
“Importamos de 90% a 95% das matérias-primas de medicamentos, o que explica o histórico déficit na balança comercial do setor. Também temos importado, cada vez mais, medicamentos acabados. E o Brasil precisaria se integrar, com produção mais intensiva, às cadeias mundiais como fez a Irlanda, por exemplo, que não tem um mercado doméstico importante, mas tem regras e incentivos que permitem a exportação firme e confiável ao mercado internacional”, diz Pedro Bernardo, presidente-executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). Enquanto a China está recebendo fortes investimentos para produção de princípios ativos, o Brasil, com a crise, desceu da sexta posição no ranking global dos maiores mercados farmacêuticos do mundo para o oitavo lugar.
O fato é que há multinacionais revendo sua alocação de recursos globais em unidades de produção, e algumas prefeririam terceirizar parte de sua produção no Brasil, como fizeram os grupos Pfizer (Zoetis) e Novartis. Nesse processo, os grupos de capital nacional passaram de assediados para venda a multinacionais a compradores de ativos fabris. Como é o caso da União Química. “A operação de terceirização em serviços de produção cresceu muito para nós. Investimos R$ 250 milhões na unidade da Zoetis, de produtos para saúde animal do grupo Pfizer (Guarulhos, SP), de onde exportamos 103 produtos veterinários, e ficamos com uma unidade da Novartis (Taboão da Serra, SP), de produtos injetáveis, onde investimos RS 50 milhões”, comenta Fernando Castro Marques, presidente do conselho de administração da União Química.
“Além disso, compramos uma unidade que pertencia à Tigre, em Pouso Alegre (MG), para podermos instalar nossa própria gráfica de embalagens para medicamentos, que nos custou, entre reformas e o centro de distribuição, R$ 40 milhões”, acrescenta o acionista da União Química, empresa que completou 80 anos. Segundo Marques, a companhia está lançando 30 novos medicamentos e atesta que os atuais processos de aprovação de medicamentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estào animando mais o setor, que antes da nova legislação Ficava até quatro anos aguardando uma autorização para lançar um medicamento. Uma nova frente de investimentos da União Química é a área de biotecnologia de princípios ativos (biofármacos), que recebeu RS 100 milhões para a instalação da Bthek, em Brasília.
Os lançamentos são o foco do setor farmacêutico. A suíça Novartis, que lidera, logo abaixo da francesa Sanofi, a venda de medicamentos no país, especialmente depois que comprou a brasileira Medley de genéricos, prevê um crescimento de dois dígitos para 2018 e 2019. De acordo com João Sanches, diretor de assuntos corporativos do grupo Novartis no Brasil, os lançamentos de medicamentos e a performance de linhas como equipamentos médicos para oftalmologia, além de linhas para alergia, lentes de contato e oncologia, dão uma boa perspectiva de receita para a companhia.
A Novartis é um dos maiores fornecedores de medicamentos de alta complexidade para o governo, e sua controlada Sandoz, líder de biossimilares no país, fará dois lançamentos neste ano. “Para manter o foco nos investimentos nas nossas plantas da Alcon (São Paulo, SP) e da Sandoz (Cambé, PR) e reduzir nossos custos, procuramos terceirizar algumas linhas” diz Sanches, para quem o desafio do Brasil, na corrida mundial pela liderança na lista TOP-10 global, é a competitividade fora das fábricas. “Com muito esforço exportamos não mais de 3% a 5% da receita, enquanto países como índia investem pesado para buscar a liderança em medicamentos.”
Outro grande laboratório nacional que está na ponta de compra de operações de terceiros é o Cris- tália. Seu acionista e pesquisador Ogari Pacheco enumera seus desembolsos recentes: a conclusão de inversão de R$ 150 milhões, iniciada em 2017, na nova unidade de farmoquímica oncológica em Itapira (SP), onde está seu complexo industrial, que também recebe outros RS 56,9 milhões em unidades operacionais. Sem contar RS 46 milhões em unidade de injetáveis em São Paulo (SP); RS 14 milhões da recém-adquirida (2017) LatinoFarma, de Cotia (SP); R$ 21 milhões na Sanobiol, de Pouso Alegre (MG); RS 1,6 milhão em nova linha de repelentes; R$ 1,3 milhão no novo centro de distribuição; e outro RS 1 milhão na instalação de rede de internet das coisas. A empresa ainda controla a Ima, de Buenos Aires, na Argentina; a BioChimico, do Rio de Janeiro; e divide a joint-venture Supera, de São Paulo (SP).
O faturamento da Cristália em 2017 foi de RS 1,9 bilhão, com 4% desse valor destinado a pesquisa e inovação, sendo a previsão orçamentária de crescimento da receita para 2018 de 12% a 13%. “Investimentos na farmacêutica têm de ser contínuos, e eu nunca tomo dinheiro em banco para investir na empresa. Todo meu esforço está aqui”, diz Pacheco. Seu maior nicho de negócio é o fornecimento para hospitais e clínicas, e a venda a governos hoje não representa mais do que 3% da receita. Segundo ele, a verticalização em linhas como a oncológica é uma saída de substituição de importações mais onerosas de princípios ativos. “Aqui damos um passo bem seguro por vez, tudo dentro do nosso fôlego.”
A Takeda, de origem japonesa, é outra farmacêutica que cresce em ritmo acelerado no Brasil. Especializada em áreas como gastroenterologia, neurociência, oncologia e vacinas, a empresa pro
grama lançamentos no país na área de intestino irritável e doenças ácido-relacionadas, além de outros da área oncológica, como no tratamento de mieloma múltiplo e um medicamento de última geração para câncer do pulmão. A empresa não divulga dados do desempenho no Brasil, mas em 2017 obteve uma receita global de 1,77 trilhão de ienes (cerca de RS 580 bilhões), um crescimento de 5,5% sobre 2016. “No Brasil, em 2017, tivemos um crescimento de 18%, e cerca de 50% dessa expansão é atribuída a lançamentos feitos nos últimos três anos”, afirma a empresa em nota.
Gaetano Crupi, presidente da Bristol-Myers Squibb (BMS) no Brasil, comemora que em 2017 a companhia registrou uma expansão de 28% nas vendas totais (60% delas ao governo), e a previsão para 2018 é um aumento de 25%. Especializada na área oncológica e em vendas de produtos de alta complexidade, a empresa vê estudos em que o país deve registrar 1,2 milhão de novos casos de câncer nos próximos dois anos. A BMS tem sua área de maiorinovação na medicina personalizada baseada em biomarcadores.
“Além disso, também estamos investindo em innovative medicines, e nosso pipeline engloba medicamentos com foco em imunociência, cardiologia e fibrose cística”, afirma Crupi. O principal medicamento da companhia é um produto imuno-oncológico para tratamento de câncer do pulmão e melanoma metastático, entre outros cânceres. “Nós ampliamos a sobrevida dos pacientes e estamos apenas no começo nesse campo”, diz o presidente da BMS, que investiu globalmente US$ 5 bilhões (25% da receita) em pesquisas, sendo 35 desses estudos clínicos realizados no Brasil, estando outros entre 12 e 16 a caminho neste ano.
A americana Abott, há 80 anos no Brasil, vê o país, com uma receita na casa dos RS 1,7 bilhão, como mer- cado-chave entre os dez maiores líderes em venda para a companhia. “Os últimos anos têm sido desafiadores, mesmo assim mantivemos o crescimento e investimos RS 20 milhões num novo centro de desenvolvimento farmacêutico no Rio”, afirmajuan Carlos Gaona, gerente-geral da empresa no Brasil. A Abbott adquiriu em Belo Horizonte (MG) a St.Jude, de válvulas cardíacas, e deve lançar no Brasil um produto de monitoramento de glicose, sem a picada no dedo, e ainda a primeira lactase mastigável, que ajuda na intolerância a lactose.