Fiocruz terá pesquisas conjuntas com setor privado

Valor Econômico | Jornalista: Gabriel Vasconcelos

A farmacêutica suíça Novartis e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) assinaram, nesta semana, um memorando de entendimento para viabilizar pesquisas e produtos que ampliem o combate a hanseníase, doença de Chagas, malária e anemia falciforme.

A erradicação das quatro enfermidades, chamadas de “doenças tropicais negligenciadas”, é um compromisso antigo do laboratório junto a Organização Mundial da Saúde (OMS). O conceito de “doença negligenciada” considera tratamentos bem conhecidos para enfermidades que acometem grandes contingentes de pessoas em países subdesenvolvidos. Para a Fiocruz, parcerias desse tipo com o setor privado se tornaram caminho quase obrigatório para superar a política de transferência de tecnologia e passar, de fato, ao desenvolvimento de medicamentos e tratamentos em escala dentro do país, diz o vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Marco Krieger.

O documento, assinado em nome da Fundação Novartis – braço de responsabilidade corporativa do laboratório – não traz valores e funciona como um acordo guarda-chuva para projetos relacionados a cada uma das doenças. Na prática, os empreendimentos vão contar com mão-de-obra de pesquisadores brasileiros e terão custos operacionais, como os testes clínicos e seguros, financiados pelo grupo suíço na ordem de milhões de dólares, afirma Patrice Matchaba, diretor da Novartis.

Alguns projetos, no entanto, têm previsão de custos. Segundo Krieger, da Fiocruz, é o caso de uma pesquisa relacionada à doença de Chagas que, em fase final de formatação, deve começar testes em 2020 ao custo de US$ 8 milhões. O objetivo é medir os efeitos de medicação para insuficiência cardíaca em pacientes com cardiopatia chagásica, a forma crônica da doença que afeta o coração de 30% dos infectados anos depois do primeiro contato com o parasita.

“Um estudo mais amplo sobre cardiopatias indicou que a droga pode ter benefícios adicionais nos pacientes com Chagas”, diz a cardiologista Andrea Silvestre, do Instituto Nacional de Infectologia da Fiocruz, chefe da nova pesquisa. Ela disse que, historicamente, doenças como a de Chagas não estão no centro das atenções da indústria farmacêutica por acometerem populações pobres de países em desenvolvimento. Não haveria nem mercado nem políticas públicas de distribuição que garantissem a demanda e que justificassem o investimento em novos métodos, segundo a pesquisadora. “A doença de Chagas só conta com uma droga desenvolvida no final dos anos 1960”, afirma. Matchaba, da Novartis, disse, porém, que o laboratório trabalha para desenvolver novo remédio com horizonte de cura inferior aos dois meses atuais e menos efeitos colaterais. “A Fiocruz estará envolvida nisso.”

Projetos ligados à hanseníase também estão avançados. Segundo o Ministério da Saúde, a incidência do mal popularmente conhecido como lepra cresceu 14% entre 2016 e 2018, quando 28,6 mil casos foram registrados. Mas Krieger, da Fiocruz, afirma que há forte subnotificação por desconhecimento médico. Por isso a Fiocruz, em parceria com a Novartis e a Microsoft, desenvolve software que vai permitir diagnósticos por inteligência artificial. Os médicos poderão enviar fotos das lesões para uma nuvem de dados para que sejam automaticamente comparadas e confirmadas. Semente do acordo assinado agora, o sistema será lançado com o algorítimo aberto entre o final deste ano e o início de 2020. Krieger espera, depois, desenvolver testes mais sensíveis para captar precocemente a presença da bactéria em parentes de pacientes diagnosticados.

Mas também há uma motivação financeira para a Novartis. Há 20 anos o laboratório distribui gratuitamente medicamentos de combate à doença a governos. E mais eficiência nos diagnósticos implicaria em redução de custos. “Doações são boas. Mas quando você só doa, ninguém faz prestação de contas para saber se a doença vai ser, de fato, eliminada”, diz Matchaba.

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