Setor Português 02/08/2015

Fantástico faz denúncia sobre desvio de medicamentos

Prefeitura de cidade do PR distribui medicamentos vencidos a doentes
Distribuidores vendiam remédios vencidos para prefeitura. Golpe inclui fraude em licitação e superfaturamento, com desvios de até R$ 20 milhões.
Fantástico – TV Globo
O Repórter Secreto do Fantástico vai entrar em ação para investigar uma falcatrua que deixou muito cidadão doente. É o esquema do desvio de milhões em dinheiro público de uma prefeitura para distribuir e vender remédios com data de validade vencida.
Uma equipe do Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Cascavel, no Paraná, faz uma ação num porão na casa de um prefeito. Nos subterrâneos do crime, investigar o lixo é importante. Neste caso, então, é mais importante ainda, porque essa é uma história cheia de lixo.
Tem papelada oficial da prefeitura, contratos, notas fiscais, licitações, que foi triturada ou rasgada e jogada fora. Só não sumiu de vez porque o Gaeco conseguiu pegar. Nesses papéis estão as provas de um crime que envolve ainda distribuidor de remédio e secretários municipais. Todos ganhando muito dinheiro sujo.
Gelson: Tem uma mercadoria aqui que o pessoal do caminhão de lixo vai pegar. Você não precisa?
Eunice: Se for para jogar, dá para nós.
Eles estão falando de remédios vencidos, que tinham que ter ido para o lixo, mas foram distribuídos pela prefeitura entre a população do município de Ibema, interior do Paraná. “Estavam me dando remédio, só que eles não estavam me curando, estavam me matando, sabe? ”, diz uma vítima.
As investigações estão só começando e já se espalharam por outras 20 cidades. O golpe inclui fraude em licitação e superfaturamento. Tudo levando a um desvio de até R$ 20 milhões à custa da saúde do povo.
Por isso o repórter Eduardo Faustini está no interior do Paraná, para perguntar: cadê o dinheiro que tava aqui?
Maio deste ano, o Fantástico esteve em Cascavel, Paraná. Eunice Vieira de Lara, secretária de Saúde de Ibema, entra na sede da distribuidora Fernamed, que fornece medicamentos para a cidade de Ibema. Depois que ela sai da firma, um funcionário da distribuidora coloca caixas no bagageiro do carro da prefeitura de Ibema.
“Ou o motorista da prefeitura pegava diretamente na distribuidora aqui em Cascavel ou ela mesmo vinha até Cascavel e pegava pessoalmente as caixas com esses medicamentos para levá-los até o posto de saúde local”, diz Juliana Stofela da Costa, promotora do Gaeco de Cascavel.
A própria secretária de Saúde pegando remédio na distribuidora, que fica em outra cidade? Coisa esquisita. O Gaeco também acha esquisito. E está de olho na secretária. Na viagem de volta, a pedido do Gaeco, a Polícia Rodoviária Federal para o carro. O bagageiro estava cheio de remédios. Mas a hora de Eunice ainda não chegou. A blitz foi feita só para investigar os movimentos dela.
Mesma coisa acontece em outro dia, quando ela estava voltando da distribuidora num furgão, também da prefeitura de Ibema. Dessa vez, os policiais rodoviários encontram dinheiro com ela: R$1.050. Só uma pequena parte da corrupção.
Segundo as investigações, é propina. “Valores mensais e, às vezes, valores semanais eram pagos de propina conforme a necessidade do prefeito e conforme a disposição de verba das distribuidoras de medicamento”, diz Tiago Nóbrega de Almeida, delegado do Gaeco de Cascavel.
As investigações da corrupção botaram na cadeia o prefeito de Ibema, Antônio Borges Rabel, do DEM; a secretária de Saúde, Eunice Vieira de Lara; o secretário de Finanças, Valdir Schéfer; mais uma funcionária da secretaria de Saúde; e ainda Gelson Teixeira, Alexsandro dos Santos, Odair Sartor e Fabio de Castro, responsáveis por três distribuidoras de remédios.
“Havia um esquema entre eles de licitações fechadas, ou seja, com cartas marcada já saberiam quais empresas venceriam as licitações”, destaca a promotora.
“Passava a funcionar a prática de desvios de medicamentos, o superfaturamento de notas, a emissão de notas fictícias, tudo para lesar o erário público, e principalmente a população local”, conta o delegado.
O que que acontecia com os remédios desviados? “A secretária de Saúde, junto com a sua assistente, vendia para farmácias locais”, diz o delegado.
A população então tinha que pagar por um remédio que deveria ter sido distribuído de graça? E o pior. “Muitos medicamentos chegavam já vencidos ao município”, diz o delegado.
Um monte de remédio foi apreendido pelo Gaeco. A data de validade de alguns foi apagada ou raspada.
No começo da reportagem, você viu o papo da então secretária de Saúde, Eunice Vieira de Lara, com Gelson Teixeira, dono da distribuidora Fernamed. Sente só essa outra conversa de Gelson e Eunice. “Eu vou mandar um xarope aqui que está vencido, mas nós vamos apagar o vencimento dele”, diz Gelson.
Eram vários tipos de medicamentos. “Muitos deles são tarja-preta. Com certeza, também seriam comercializados sem a receita médica necessária, que podem colocar em risco a vida de muitos dos cidadãos”, diz o delegado.
O que acontece com quem toma remédios vencidos? “O remédio deixa de ter efeito, e a pessoa está tomando remédio achando que está sendo tratada, mas efetivamente não está tratando a doença”, destaca Jorge Luiz Vieira Trannin, médico do Ministério Público-PR.
A dona de casa Eva Borges de Oliveira, que sofre de hipertensão, é uma das vítimas desse esquema hediondo. “Tomava, tomava, tomava, e nada adiantava. Nada adiantava. Sempre passando mal, cada vez mais mal. A minha pressão um dia foi para 26 por 18,5. Quase morri”, conta.
Fantástico: Há quanto tempo a senhora tomava os remédios?
Eva: Desde setembro estava tomando.
E aconteceu com o Téo. O médico achava que ele podia estar com coqueluche. Tossia muito. “Eu nunca verifiquei data de vencimento. Eu me sinto culpada por isso, porque eu tinha que verificar, como mãe eu tinha que verificar”, diz a comerciante Elizete Nunes Bonfim.
“Me deu muita raiva, porque isso não se faz. Uma criança que nem eu”, destaca o estudante Téo Bonfim da Luz.
Quando a notícia da operação policial correu pela cidade é que todo mundo entendeu por que os remédios não estavam adiantando. “Você está determinando a morte ou sequela de alguém. Na verdade, é uma forma de deixar que alguém morra”, destaca o médico do Ministério Público do Paraná.
As investigações procuram descobrir quantos remédios foram distribuídos pelo esquema desde 2013, ano do início dos contratos. Entre a papelada apreendida, aquela que não foi destruída, como você viu no início da reportagem, está a contabilidade da propina.
“Só nesse mês agora de junho, a discriminação aqui para o prefeito de Ibema, R$ 1 mil; para o secretário de Finanças, R$ 5 mil; para a secretária de Saúde, mais R$ 5 mil”, conta o delegado.
Na lista também estão nomes de secretários e prefeitos de 20 municípios paranaenses.
Delegado: Catanduvas, nós temos aqui R$ 1 mil para o secretário de Saúde.
Fantástico: Qual o nome que aparece?
Delegado: Aparece o apelido "Dodô", que é o apelido do Anderson Sene.
O repórter Eduardo Faustini foi até Catanduvas, atrás do secretário Dodô. Ele nega ter recebido propina e participado do esquema. “A gente nunca recebeu isso aí. A gente nunca recebeu um medicamento com data de validade rasurada”, afirma o secretário de Saúde de Catanduvas, Anderson Sene.
O Repórter Secreto do Fantástico foi também às empresas Gralha Azul, Dezenove e Fernamed. As três distribuíram medicamentos vencidos, segundo as investigações, mas elas não responderam aos pedidos de entrevista.
Já a esposa de outro réu, Sérgio Titenis, o dono da farmácia acusada de vender remédios desviados da prefeitura de Ibema, diz que a farmácia não participou da falcatrua. “Eu defendo a minha farmácia. Não tenho nada com isso”, diz Marizete Vigo.
A prefeitura de Ibema não quis se manifestar. Mas, antes de ser preso, o prefeito chegou a se defender. “Se realmente forem confirmadas, vamos sentar com o jurídico, a comissão de licitação, para nós analisarmos o caso, o que que vai ser feito”, diz o prefeito Antônio Borges Rabel.
Os réus saíram da cadeia, mas continuam afastados dos cargos e respondendo a processo criminal. “Esperamos que sejam efetivamente condenados pelos crimes que praticaram”, diz a promotora.
“O quanto nós sofremos na mão dessas pessoas, então eu quero justiça”, diz a mãe de Téo.
“Acho que eles não tinham que sair mais de trás das grades, sabe? Quantas pessoas aí não morreu por causa de remédio estragado”, diz dona Eva.
Por isso, senhor Antonio Borges Rabel, o Repórter Secreto quer saber: cadê o respeito à saúde da população de Ibema? Cadê o dinheiro que estava aqui?

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