Em 18 anos, preço de plano de saúde sobe quase o dobro da inflação

Valor Econômico

Gabriel Vasconcelos

Nos últimos 18 anos, a taxa de inflação acumulada dos planos de saúde individuais e familiares foi de 382%, superando em muito a inflação geral acumulada pelo IPCA, de 208%, e a do setor de saúde, de 180%. Esta é a conclusão do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que critica, em nota técnica a ser apresentada hoje, a atuação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) na definição do teto de reajuste dos planos. A ANS afirma que as comparações do Ipea “não são adequadas”.

“É de se esperar que a inflação dos setores de serviços, como saúde, seja maior que a geral, mas, no Brasil, constatamos um abuso de preços, sobretudo a partir de 2006”, afirma um dos responsáveis pelo estudo, o economista do Ipea Carlos Ocké-Reis. Ele avalia que a discrepância entre os reajustes dos planos e as taxas de inflação geral e setorial se deve à falta de regulação dos planos coletivos, que praticam preços livres, cuja média foi usada pela ANS até o ano passado como fator principal da fórmula do reajuste de planos individuais e familiares. Ocké-Reis frisa o que chama de “captura da ANS pelas operadoras”. “Fica claro que a ANS não foi capaz de regular a inflação dos planos de saúde”, afirma o estudo.

A ANS alegou, em nota, que “não é adequada a comparação entre o índice teto de reajuste dos planos de saúde e índices de preços, sejam eles gerais, como o IPCA, ou específicos”. Segundo a agência, as despesas das operadoras não variam somente em função das alterações no preço dos procedimentos, mas também pelas alterações na quantidade e tipos de serviços utilizados. A ANS argumenta que, entre 2014 e 2017, “ocorreu aumento no número médio de procedimentos realizados por beneficiário, o que impactou os custos setoriais”.

Segundo o Ipea, a alta de preços dos bens e serviços de saúde ofertados ao consumidor é o que tem impacto nas despesas das operadoras. Nos 18 anos pesquisados, afirma o instituto, o crescimento médio anual da inflação dos planos foi de 8,71%, enquanto o da inflação geral foi de 5,96%, e a do setor saúde, de 5,51%. Esses reajustes definem os preços de 9 milhões de planos individuais e familiares existentes no país, segundo dados de fevereiro da ANS.

A agência aprovou, em dezembro, um novo método de cálculo para o reajuste das mensalidades de planos individuais e coletivos, tradicionalmente anunciado em maio e implementado na data de aniversário dos contratos. O novo modelo combina o chamado Índice de Valor das Despesas Assistenciais (IVDA), que reflete a variação das despesas dos planos com os beneficiários, com o IPCA, retirando-se deste último o item Plano de Saúde. Na fórmula, a IVDA tem peso de 80% e o IPCA, de 20%.

Mas a nota técnica do Ipea sugere que a nova metodologia “seja discutida com a sociedade para que o novo Índice de Reajuste dos Planos Individuais (IRPI) não seja objeto de indesejável judicialização em futuro próximo”. Ocké-Reis afirma que não foi realizada, publicamente, uma aplicação retroativa da nova fórmula que comprove sua capacidade de refrear o teto do reajuste.

No ano passado, o aumento chegou a ser suspenso pela Justiça, após ação do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) baseada em relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), que apontava duplo cômputo de fatores na antiga metodologia. Os pesquisadores do Ipea também dizem que, com a exclusão dos preços dos planos coletivos como base do novo cálculo, a ANS deixa de monitorar a categoria que conta com o maior número de clientes: 31,7 milhões de pessoas dos 47,1 milhões clientes de planos no país.

O Ipea propõe, além do uso do IPCA saúde como parâmetro, a criação de um índice de preços sobre a produção dos serviços médico-hospitalares (Producer Price Index) e, a exemplo dos Estados Unidos, a instituição de outro índice capaz de medir a variação das despesas das operadoras com consultas, exames, internações e procedimentos (Medical Care Expenditure Price Index).

A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) afirma que a situação não é anormal e citou levantamento do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), segundo o qual o país tem variação de Custo Médico-Hospitalar (VCMH) 3,4 vezes maior que a inflação oficial, valor próximo ao dos EUA (3,7) e abaixo de países como Canadá (4,7) e Grécia (6,3).


Dos gastos anuais, só 6,6% são com remédios

Stella Fontes

Cansada da queda de braço constante com os planos de saúde em torno dos custos dos medicamentos e da incorporação de novos tratamentos ao sistema, a indústria farmacêutica encomendou um estudo para medir o peso que, de fato, os remédios têm nos gastos da saúde suplementar no Brasil. Conduzido pela IQVIA, que audita as vendas do setor em todo o mundo e é um dos nomes mais respeitados na área, o levantamento recém-lançado mostra que esses gastos representam apenas 6,6% do total desembolsado anualmente e não são os grandes vilões da inflação da saúde suplementar.
Ou seja, frente a um dispêndio anual de R$ 190,5 bilhões dos planos de saúde, R$ 12,7 bilhões dizem respeito a medicamentos. Ao mesmo tempo, conforme o estudo “As Novas Tecnologias e a Saúde Suplementar“, o desperdício com fraudes e exames considerados desnecessários chega a R$ 36,6 bilhões por ano, equivalente a 19,2% do gasto total. A maior parte dos dados usados no levantamento é de 2014 a 2017, mas há alguns recortes que consideram o intervalo de 2013 a 2018.
“A indústria farmacêutica é um dos fornecedores e se sente injustiçada. Há muito tempo o reajuste dos medicamentos fica abaixo da inflação, enquanto o dos planos fica acima”, diz o diretor de Acesso e Assuntos Econômicos da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Pedro Bernardo. Entre 2005 e 2018, segundo a entidade que reúne as multinacionais do setor, o reajuste dos medicamentos foi de 86,99%. No mesmo período, a inflação foi de 118,84%, quase 32 pontos percentuais a mais.
De acordo com Bernardo, o estudo retrata a real responsabilidade da indústria farmacêutica nos gastos dos planos e, na verdade, o peso dos medicamentos deveria ser maior – isso ocorreria naturalmente se mais tecnologias inovadoras fossem incorporadas, observa o executivo. “Queremos mostrar que não é dificultando a incorporação de novos tratamentos que haverá melhora do equilíbrio financeiro dos planos”, afirma.
O estudo mostra ainda que o número de pessoas atendidas pelos planos caiu 5,8% entre 2014 e 2017, para 47,2 milhões, na esteira da crise econômica e do desemprego. Houve mudança no perfil dos beneficiários, com redução entre o público mais jovem e crescimento do total de idosos. Com isso, muda também a demanda, uma vez que idade é fator de risco: nesse intervalo, houve aumento de 10,9% para os procedimentos de assistência médico-hospitalar, para 1,3 bilhão por ano, e de 17,8% dos procedimentos por paciente, para 28,1% por ano. “A solução passa por todos os setores terem transparência em seus números, para que a sociedade entenda onde está o problema”, diz Bernardo.

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