Folha de S.Paulo
Jornalista: Reinaldo José Lopes
A esperança no potencial terapêutico da fosfoetanolamina, a chamada “pílula do câncer”, sofreu um novo revés em testes patrocinados pelo governo federal.
Camundongos e ratos com câncer que receberam doses da substância não tiveram nenhuma melhora —os tumores no organismo dos animais continuaram a crescer.
Divulgados no site do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), os resultados se somam a outros indícios de que a “fosfo”, como é chamada, talvez não tenha um bom desempenho contra o câncer. Em avaliações anteriores, conduzidas a pedido do ministério e divulgadas em março deste ano, especialistas apontaram que a pílula teria baixo grau de pureza e não seria capaz de matar células tumorais em ensaios in vitro (no tubo de ensaio).
Até agora, o único resultado positivo foi a indicação de que a fosfoetanolamina não seria tóxica, mesmo quando ingerida em concentrações relativamente altas.
Os dados foram contestados pelos pesquisadores que trabalham com a substância, liderados pelo químico Gilberto Chierice,professor aposentado da USP.
Chierice e colegas como Durvanei Augusto Maria, do Instituto Butantan,argumentaram que as concentrações da “fosfo” utilizadas nos ensaios in vitro eram muito inferiores às empregadas em seus próprios estudos,eque o metabolismo do indivíduo como um todo (e não células isoladas) seria necessário para que a pílula funcionasse.
A equipe chegou a publicar alguns trabalhos mostrando efeitos antitumorais da “fosfo”, tanto in vitro quanto in vivo (ou seja, em animais vivos), envolvendo tipos diferentes de tumor.
Nos testes que acabam de ser divulgados,a equipe liderada pelo médico Manoel Odorico de Moraes Filho, da Universidade Federal do Ceará, trabalhou com dois tipos de tumor estudados há décadas em laboratório, o sarcoma 180 e o carcinossarcoma 256 de Walker. São duas formas de câncer de mama (o primeiro, da região das axilas) descobertos originalmente em roedores, que costumam servir como uma primeira linha de teste para possíveis substâncias antitumor.
O procedimento com os dois tumores foi quase idêntico: 45 roedores saudáveis (camundongos no caso do primeiro tumor, ratos no segundo) receberam uma injeção dessas células em suas axilas. Depois, foram divididos em três grupos de 15 bichos cada um.Os animais do primeiro grupo receberam a “fosfo” por via oral —a dose era de 1g da substância para cada quilo de peso da cobaia.
O segundo grupo recebeu apenas soro fisiológico (portanto, inócuo) por via oral, enquanto os últimos 15 roedores receberam injeções de ciclofosfamida, um quimioterápico bem conhecido.
Ao longo de dez dias, os pesquisadores acompanharam o que acontecia com as células tumorais e continuaram a ministrar os diferentes tratamentos aos animais.
No sétimo dia, já havia tumores que podiam ser medidos.Resultado: em ambos os casos, enquanto o quimioterápico impediu que os tumores crescessem muito, tanto o soro fisiológico quanto a “fosfo” não conseguiram deter esse crescimento.
Um dos tipos de tumor inclusive chegou a provocar metástases, o espalhamento da doença para outros órgãos (no caso,o pulmão), enquanto os animais recebiam a fosfoetanolamina.
A Folha tentou falar com os pesquisadores que atestam os benefícios da fosfo, mas eles não atenderam até a conclusão desta edição.
Testes em pacientes humanos patrocinados pelo governo estadual de São Paulo devem começar em breve. Todos os dados sobre os testes conduzidos a pedido do MCTIC podem ser acessados no site do ministério.