Interfarma Português 28/02/2014

Doenças Raras: agora temos uma Política Nacional

Em maior ou menor grau, a conscientização da sociedade, governos, instituições, empresas, pacientes e familiares no que se refere às doenças raras, permitiu que o tema ocupasse o espaço que lhe é devido na agenda do País. Por certo, ainda não é o suficiente, mas o debate sobre essa tão importante questão, vem possibilitando que o Brasil avance na atenção que dispensa às pessoas com doenças raras. 

A recente publicação da Portaria 199/2014 que institui a “Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras e aprova as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde” é, em nossa visão, um grande avanço que poderá beneficiar milhares de pacientes em todo o Brasil e seus familiares. 

A política trouxe à tona novas questões: o impacto no sistema de saúde brasileiro, o acesso a medicamentos e a exclusão de algumas doenças raras pelo modelo de eixos estruturantes. 

O principal desafio, velho conhecido dos gestores públicos, está na equação: equilibrar a necessidade de atender adequadamente a demanda dos pacientes com custos crescentes do setor, decorrentes do processo científico e do avanço tecnológico. 

Informações do Ministério da Saúde em 2011, dados mais recentes, apontavam informações de 26 protocolos clínicos para tratamento medicamentoso, ligados às doenças raras no âmbito do SUS. Por meio desses protocolos – porta oficial de acesso à assistência à esses pacientes no sistema público – seriam oferecidos 45 medicamentos. Entretanto, algumas doenças como Pompe, Himocistenúria, Fabry, e todas as formas de Mucopolissacaridoses – não foram incluídas em nenhum protocolo clínico. Além disso, em 18 protocolos, apenas um, para tratamento de Gaucher, incorpora medicamentos órfãos. Os demais incluem somente medicamentos convencionais, que amenizam os sintomas das doenças, mas não interferem na sua evolução. De acordo com o levantamento realizado pela Interfarma em 2013, 14 doenças contam com drogas aprovadas pela ANVISA e comercializadas no País, porém, excluídas da agenda governamental.

Para a garantia do acesso às drogas órfãs, existem determinadas circunstancias que tendem a limitar o crescimento abrupto das despesas. Uma delas esta relacionada aos protocolos clínicos, que definirão parâmetros para identificar os pacientes elegíveis ao uso das drogas órfãs. 

Além disso, critérios médicos, sociais e econômicos, também podem ser utilizados para definir uma escala de priorização dos medicamentos: prevalência da doença, número de pessoas que possam ser beneficiadas; taxas de cura versus aumento da sobrevida, impactos na produtividade dos pacientes, custos sociais indiretos (derivados da mobilização de parentes para cuidar dos pacientes), e aumento da precisão diagnóstica, que ajuda a evitar que pacientes não elegíveis se submetam ao tratamento. 

Ao dispor de informações mais precisas, o governo pode se programar e fazer melhores acordos de compra de medicamentos, com base no volume. Do ponto de vista do setor privado, ter uma noção mais precisa da demanda, também abre espaço para práticas comerciais mais flexíveis. 

Dos gastos com saúde, o poder público arca com pelo menos dois custos que impactam significativamente os orçamentos federal, estadual e municipal: as despesas recorrentes ao aumento dos processos judiciais impetrados por pacientes para obter tratamento e medicação, que afetam o orçamento da seguridade social; e os benefícios previdenciários, que os pacientes e seus cuidadores, que são obrigados a abdicar de suas atividades profissionais, têm direito.

Entendemos que estas despesas, atualmente relevantes, tendem a diminuir com a introdução do tratamento medicamentoso na politica publica, aliviando concomitantemente os cofres públicos, o sistema judiciário e o setor previdenciário. 

Em relação aos medicamentos órfãos, outro estudo da Interfarma concluiu que, em termos percentuais, o aumento das despesas será menor que o aumento do número potencial de pacientes que podem ser tratados. 

Em relação às despesas com todos os tipos de medicamento, em 2011, já está na casa dos R$11,5 bilhões e, deste valor, as drogas órfãs representariam pouco mais de 2,5 % do total, com potencial de ampliar consideravelmente o número de pacientes assistidos e promover grandes benefícios a eles.

A experiência internacional revela que pessoas com doenças raras, que recebem tratamento multidisciplinar integrado, promoveram economias significativas em relação ao tratamento convencional, pontual e fragmentado. A adoção de um sistema que preveja a fase de implementação, e outra de consolidação, tende a promover grande melhora na assistência e uma economia considerável com a otimização dos gastos do governo. 

Dada a complexidade do tema e os inúmeros desafios a serem equacionados, é importante que a implementação da politica nacional ocorra de maneira progressiva. Esse seria o caminho mais adequado para que os parâmetros possam ser monitorados e ajustados ao longo do processo, de modo a propiciar o melhor uso dos recursos públicos, pensando em melhores resultados para a saúde dos pacientes. 

É nesse cenário complexo, que desafia autoridades de saúde e todos os segmentos envolvidos com doenças raras, que a Interfarma espera contribuir para o desafio da implementação do que foi planejado, de forma que, as ações sejam realistas e articuladas com o objetivo que essa política pública seja bem sucedida.  

Dia 28 de fevereiro, é dedicado ao Dia Mundial das Doenças Raras, momento ideal para fortalecer o compromisso de todos os  envolvidos para a tomada de decisões sensatas, claras, graduais e alinhadas ao dever de ampliar o acesso ao medicamento de forma justa e sustentável, na ousadia de fazer com que a lei seja cumprida.

Maria José Delgado é advogada e diretora da Interfarma. 

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