Valor Econômico
Daniel Lang é biomédico, especialista em análises clínicas e saúde pública e presidente da Abracro- Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisas Clínicas.
Investimentos em saúde pública, tratamentos avançados, parcerias científicas, geração de empregos, desenvolvimento de novas tecnologias e atualização profissional são algumas das oportunidades perdidas pelo Brasil por causa de sua lentidão nas aprovações na pesquisa clínica.
Dados levantados pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) mostram que a burocracia impediu o Brasil de participar de 112 estudos clínicos multicêntricos iniciados em 2013, muitos dos quais sobre doenças letais como câncer e diabetes. Os maiores prejudicados foram os cerca de 3.700 pacientes que perderam a oportunidade de experimentar novos tratamentos dentro desses protocolos de pesquisa.
A burocracia exacerbada se arrasta por quase duas décadas sem que o governo federal tenha adotado medidas efetivas para agilizar a avaliação dos cerca de mil estudos internacionais propostos a cada ano no país. Em 2013, os órgãos reguladores admitiram que sua capacidade interna permitia autorizar apenas cerca de 200 estudos por ano. A tramitação de cada estudo dura em média de 12 a 15 meses. Por outro lado, Estados Unidos, Coreia do Sul, Austrália, Canadá e países da União Europeia, líderes mundiais em pesquisa, aprovam em média mais de 150 mil estudos por ano (dados do site www.clinicaltrials.gov), cada um entre 30 e 90 dias em média.
A estrutura regulatória do Brasil contradiz seu potencial. Enquanto figura como 7ª economia mundial e 6º mercado farmacêutico, com previsão de ser o 4º em 2016, o país expõe um acanhado desempenho em produção de conhecimento e domínio tecnológico. Ocupa o 64º posto no Índice de Inovação Global, atrás de países como Luxemburgo (12º), Estônia (25º), Costa Rica (39º), Chile (46º) e Uruguai (52º).
No ranking mundial de pesquisa clínica, está na 15ª posição, distante dos cinco primeiros produtores: Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França e Reino Unido. Em 2012, segundo a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, o Brasil foi o 24º maior depositário de patentes, com 587 registros, bem atrás dos líderes Estados Unidos (51.207 registros), Japão (43.660), Alemanha (18.855), China (18.627) e Coreia do Sul (11.848).
O sistema regulatório brasileiro mantém a improdutiva característica de ser o único a requerer dupla aprovação ética – primeiro no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e depois na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa Clínica (Conep) -, além da aprovação técnica na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Um dos principais prejuízos provocados por esta lentidão é que a indústria farmacêutica vem perdendo o interesse em incluir o Brasil nos estudos multicêntricos, que reúnem países com diferentes perfis populacionais. Com a burocracia, perde-se o prazo para recrutar pacientes, voluntários e pesquisadores brasileiros para esse tipo de estudo, fundamental para garantir acesso a medicamentos e tratamentos de ponta. Outro efeito negativo da demora é que Brasil tem uma participação inexpressiva nas fases I (apenas 4%) e II (22%) dos estudos clínicos. Nestas etapas, os novos princípios ativos são testados pela primeira vez e as patentes de produtos, registradas.
Diante de um cenário desalentador, representantes de pesquisadores, médicos, pacientes e farmacêuticas estão organizados num movimento nacional que visa debater e propor soluções para destravar a realização de estudos clínicos e conscientizar a população sobre a importância da competividade neste setor para a saúde pública e o avanço científico no país.
A começar pela necessidade de descentralizar a avaliação final, hoje a cargo da Conep, valorizando a contribuição regional dos cerca de 700 CEPs alocados em hospitais, universidades e institutos de pesquisa distribuídos nos estados. Também urgem outras medidas: uniformizar os textos das regulamentações éticas e sanitárias para a pesquisa clínica, estabelecidas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) e pela Anvisa; tornar mais eficaz o funcionamento da Plataforma Brasil, sistema eletrônico criado pelo governo federal para o encaminhamento das pesquisas clínicas; estabelecer prazos exequíveis para avaliação dos estudos clínicos e tornar a tramitação mais ágil e planejada; agilizar o processo de liberação na Alfândega de produtos e materiais importados utilizados no desenvolvimento das pesquisas clínicas.
O tema voltou à pauta este ano de audiências públicas no Senado e na Câmara Municipal de São Paulo e está sendo tratado pelo grupo de trabalho criado no Ministério da Saúde, com a participação de especialistas e dos órgãos regulatórios. Como resultado, o governo federal se comprometeu a apresentar até o final de maio uma proposta com medidas concretas para reverter esse quadro da pesquisa clínica, o que é aguardado ansiosamente pela comunidade científica.
Na última reunião do grupo, o governo pediu novo prazo para concluir o trabalho após a Copa do Mundo. O objetivo é conceder mais autonomia aos CEPs, que ficariam responsáveis pela análise da maioria dos estudos clínicos. Por sua vez, a Anvisa anunciou mudanças em sua regulação de pesquisa clínica que serão submetidas em breve a consulta pública. A agência teria um prazo de 90 dias para examinar um estudo. Se não cumprisse, o pesquisador poderia iniciar o estudo desde que tivesse a aprovação da Conep.
A lista de obstáculos é extensa e as soluções passam ainda pelo treinamento dos profissionais do setor e por uma melhor interação entre todas as partes interessadas. Só assim teremos condição de ser o "país do presente" em termos de produção e inovação em pesquisa clínica e não uma promessa desperdiçada.