Folha de S. Paulo
Johanna Nublat
O Ministério da Saúde anunciou, nesta quarta-feira (6), mudanças nas regras das chamadas PDPs (Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo). O anúncio, que promete aumentar o monitoramento e o controle dos acordos, ocorre cinco meses após uma dessas parcerias para a produção nacional de medicamentos ser envolvida em um escândalo policial.
O novo modelo já incorpora, segundo o ministério, questionamentos levantados pela CGU (Controladoria-Geral da União) e pelo TCU (Tribunal de Contas da União), esferas que se debruçam sobre as parcerias assinadas pelo governo federal.
Uma minuta de portaria da Saúde deve ser colocada em consulta pública na próxima semana e ficar aberta durante 15 dias. A expectativa do ministério é que as novas regras comecem a valer ainda em 2014.
Ao mesmo tempo, o ministério diz estar fazendo uma "profunda reavaliação" de todas as parcerias já assinadas pela pasta, e que elas deverão se submeter às novas regras no prazo de seis meses.
Existem, hoje, 104 parcerias assinadas pela Saúde para a transferência de tecnologia e produção nacional de 97 produtos, incluindo 66 medicamentos e sete vacinas. A última PDP, envolvendo o Laboratório Farmacêutico da Marinha e o laboratório privado Labogen, foi alvo de investigação da Polícia Federal durante a Operação Lava Jato.
A suspeita é que o doleiro Alberto Youssef, preso sob a acusação de lavagem de dinheiro, seja o real dono da Labogen. Interceptações da PF indicaram que o deputado federal André Vargas (sem partido-PR) intermediou contato da Labogen com a Saúde, via o então ministro e grande defensor das PDPs Alexandre Padilha (PT).
Segundo a investigação policial, o deputado e Youssef trataram o negócio como uma possível "independência financeira". Essa parceria foi refeita após o escândalo, excluindo a Labogen.
"Não é um documento policial. Mas inibe, de maneira consistente, essa possibilidade [de fraude] e aponta para a possibilidade de um acordo que dê garantia de entrega do produto [pela transferência de tecnologia] e de menor preço", afirmou o ministro Arthur Chioro (Saúde) na saída do CNS (Conselho Nacional de Saúde), onde apresentou as linhas gerais do novo modelo.
Segundo o ministro, o caso Labogen "contribuiu" para a decisão de rever as regras em vigor, mas a motivação original foi melhorar as práticas do ministério, que ele assumiu em fevereiro.
MUDANÇAS
Pelo novo modelo, o ministério publicará, no final de cada ano, uma lista de produtos de interesse público que podem vir a ser objeto de uma PDP. Em seguida, a ideia é abrir um prazo de quatro meses para que todos os laboratórios interessados apresentem as propostas, que serão avaliadas só após terminado o prazo dos quatro meses.
Pela regra em vigor, há uma lista mais geral de produtos que interessam ao governo, lançada sem periodicidade definida. As empresas podem apresentar, a qualquer momento, um projeto para uma parceria, que é avaliada sem prazos determinados ou sem uma concorrência entre projetos.
"Dá mais segurança, mais estabilidade e mais publicidade. Ou seja, fica menos à mercê de um conjunto de influências que determinaria a colocação de um produto ou outro [na lista]", argumenta o ministro.
Outra mudança proposta é a divisão do processo de negociação em quatro fases, sendo que só na terceira, quando tiver início a transferência de tecnologia e a aquisição dos medicamentos pelo governo, o acordo passa a se chamar "PDP" –até lá, será vista como uma proposta ou um projeto de PDP.
Segundo Chioro, a proposta altera outros dois pontos sensíveis do atual modelo: a garantia da efetiva transferência de tecnologia para o laboratório brasileiro e a definição dos preços pagos pelo Ministério da Saúde na aquisição dos medicamentos nacionais.
De acordo com o ministério, passa a haver uma definição clara sobre prazos permitidos para cada fase do processo, de forma a evitar atrasos na transferência de tecnologia. E sanções e responsabilizações também mais claras.
A ideia é que a definição de preços fique atrelada a questões concretas: proximidade da expiração da patente, preços praticados no exterior e variação do câmbio, por exemplo.
Outro conjunto de alterações propostas visa evitar eventuais influências indevidas no processo, como a constituição de um comitê técnico de avaliação das parcerias, formado por seis diferentes instâncias do governo federal. Esse grupo atuará desde o início de cada projeto, avaliando aspectos econômicos e prazos, por exemplo.
"Essas definições de política não ficam mais sem critério, elas passam a ser tomadas a partir de critérios claramente definidos."
Chioro diz que haverá um monitoramento contínuo de cada parceria, com visitas anuais e relatórios quadrimestrais, que podem levar à reestruturação e extinção do acordo, avaliações que passarão por um comitê composto por três ministérios –antes, as decisões eram restritas ao Ministério da Saúde
O diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Dirceu Barbano, explica que, no caso da Labogen, os documentos apresentados pelo laboratório ao governo autorizavam o funcionamento da parceria, e que a fraude seria percebida um pouco mais à frente no processo –não houve repasse de recursos do governo nesse caso.
Na avaliação de Barbano, as novas regras "podem não evitar uma coisa como a Labogen", mas que o caso serviu para aprimorar o monitoramento que será feito a partir de agora.
Já o ministro Chioro diz acreditar que, com o novo modelo, "a chance de acontecer de novo é menor".
VACINA
Ao divulgar ao novo modelo agora, Chioro se antecipa às conclusões da CGU e do TCU sobre o caso das PDPs. Segundo o ministério, os órgãos de controle ainda não terminaram as análises sobre o tema, mas já indicaram pontos que precisam ser mudados.
"A grande recomendação da CGU é colocar 90% do que nós já fazemos no marco normativo", afirma Carlos Gadelha, secretário de ciência e tecnologia do ministério e responsável pelas PDPs.
O diretor da Anvisa diz que também foi recomendado estabelecer limites claros para os prazos de cada fase das parcerias.
As novas regras não respondem a 100% do que foi recomendado pela comissão de sindicância interna do governo que avaliou o caso Labogen e emitiu recomendações gerais para as PDPs.
A sindicância, divulgada em julho, orientou que os laboratórios públicos interessados nas PDPs escolhessem os laboratórios privados parceiros, como era o caso do Labogen, por meio de editais.
Essa recomendação não foi acatada, defendeu Gadelha, porque se trata de uma encomenda tecnológica a partir de uma lista pública.