
Agência Nacional de Saúde. Falta foco no compromisso social
Correio Braziliense
Autor: Ari Cunha
Resta aos brasileiros a certeza de que os reajustes solicitados nas mensalidades dos planos pela Agência Nacional de Saúde (ANS) de 13,5%, diante de uma inflação acumulada em 12 meses de 2,9%, é um abuso. O problema deixou a esfera político-administrativa e adentrou à esfera da investigação policial. Nesse sentido, a questão por suas dimensões escandalosas chegou ao Congresso, que, em épocas de eleições, fica mais sensível aos reclames populares. O requerimento para a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar os reajustes abusivos dos planos de saúde poderá ser, regimentalmente, acolhido pelo Senado ainda nesse mês.
Com as assinaturas necessárias asseguradas, a senadora Lídice da Mata (PSB-BA), idealizadora da CPI, espera esclarecer que mecanismos a ANS utiliza para permitir os reajustes dos planos de saúde, bem acima dos índices de inflação, fugindo da obrigação básica, que é a proteção dos consumidores. Diz a senadora: “Os usuários dos planos de saúde têm sido surpreendidos por reajustes acima dos índices de inflação. Em 2016, a inflação medida pelo IPCA foi de 6,28%. Entretanto, a ANS autorizou um aumento de 13,57%. E em 2017, para uma inflação de 2,9% pelo IPCA, a ANS autorizou um aumento de 13,55%”.
A distância entre um índice e outro tem chamado também a atenção da Justiça. Para o juiz José Henrique Prescendo, da 22ª Vara Cível Federal de São Paulo, a ANS, órgão responsável por fiscalizar operadoras de saúde, não pode autorizar reajustes excessivos que inviabilizem o custeio de planos individuais e familiares, cujas despesas são assumidas integralmente pelos conveniados. Nesse sentido, o magistrado determinou, em caráter liminar, válida para todo o país, que a ANS aplique a inflação setorial da saúde (5,72% como teto para a correção dos planos de saúde individuais e familiares.
No entendimento do juiz, de 2015 a 2017, os reajustes superaram o índice de 13%, embora a inflação no mesmo período tenha caído de 8,17% para 4,08%. Segundo o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), que propôs a ação civil pública, existem hoje 9,1 milhões de pessoas incluídas nos planos individuais, para um universo de 47,4 milhões de pessoas com assistência médica privada no Brasil, ou 19,1% do total.
O Tribunal de Contas da União (TCU) também entrou na briga, ao considerar que os reajustes nas mensalidades são elaborados com dados feitos pelas próprias operadoras, sem que a ANS, sequer, avalie, na ponta do lápis, as informações. A agência, contudo, avalia que nesses 18 anos de existência houve alguns progressos dignos de nota, como o fato de que antes de sua criação, o mercado de planos de saúde não tinha regulação específica, o que foi feito pela agência que impôs diretrizes para o setor. “A regulação setorial passou por vários ciclos, ora com ênfase na regulação assistencial e de acesso, ora com foco na regulação econômica, mas sempre buscando o equilíbrio e a sustentabilidade, visando a garantir que o consumidor seja atendido com cada vez mais qualidade”, se defende a ANS.
Na realidade, o que se tem de concreto, tanto do lado da saúde pública quanto dos planos privados, é que ambos são alvos de milhares de processos na Justiça. Internações, consultas, coberturas, exames e uma infinidade de procedimentos médicos e de atendimento que só são cumpridos mediante ações judiciais ou liminares, provando que nossos serviços de saúde, mesmo no que pese ao envelhecimento da população, ainda está muito distante do ideal e do que estabelece, de forma tímida, a Constituição.