Alberto Wainstein, cirurgião oncológico e membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica fala sobre o Brasil e a perda de oportunidades no setor de pesquisa clínica.
1. Qual é o cenário da pesquisa clínica no Brasil?
Consideraria como com enorme potencial, mas muito ruim ou péssimo no momento.
Falo em enorme potencial porque somos um grande país, com uma grande população, que representa os principias tipos étnicos do mundo. Isso é único. Somos um país continental com brancos, pardos, negros e orientais em grandes números. Isso não ocorre na China, índia, Rússia e nos EUA a realidade é outra.
Também temos um grande potencial por limitações inatas de nosso sistema de saúde que tem restrições financeiras, operacionais e políticas. Isso limita e restringe para a população o acesso a drogas muito caras e inovadoras. Muitos pacientes não podem esperar anos, meses ou mesmo semanas para terem acesso a certas drogas. Não raro isso é questão de vida ou morte. O conceito antigo de que drogas em pesquisa clínica são sempre experimentais e de alto risco não se aplica hoje. Existe uma grande demanda e pressão dos médicos, pesquisadores, pacientes e familiares para democratizar o acesso a drogas inovatorias através da pesquisa clínica. Obviamente, sem comprometer a saúde ou autonomia nossa.
Por último, reforçando nosso grande potencial, o Brasil tem reconhecimento internacional pela grande qualidade técnica e profissionalismo de seus pesquisadores e equipes. Não somos muitos pelas limitações falta de estímulo no Brasil, mas os que estão envolvidos nestas atividades o fazem com dedicação e profissionalismo.
Entretanto toda este potencial não tem muita utilidade se não for utilizado. Em pesquisa clínica considero que o Brasil não é o gigante adormecido, mas o gigante morto. Precisamos muito mais do que acorda, precisamos nascer ou mesmo renascer com potencial para ser o Fênix mundial da pesquisa clínica.
E isso é fácil. Não precisa de grandes investimentos, precisamente nenhum. Apenas retirar as amarras burocráticas do setor e deixar que nossa competência cresça e floresça. Quando digo amarras, não me refiro a afrouxar ou contemporizar regulações éticas e morais. Muito pelo contrario, as restrições e normas éticas são pétreas e estão acima de tudo e de todos, para nos proteger. Entretanto no Brasil, justifica-se que nosso atraso e lentidão devem-se a normas éticas o que não é verdade. Nunca se pode justificar atraso, burocracia, aparelhamento pela ética. É até antiético dizer isso. Em nome da ética temos obrigação de sermos ágeis comprometidos e resolutivos. Infelizmente isso não acontece e o ambiente Brasil para quem trabalha com pesquisa clínica são péssimos e desmotivaste, única e exclusivamente por um sistema CEP/CONEP anacrônico, burocrático e lento. Muitos podem não gostar de tanta sinceridade, mas antes de apontarem suas armas ou palavras contra mim, faça uma reflexão e comparem o Brasil com o resto do mundo! Verão que estamos entre os piores para não dizer o pior do mundo em tempos regulatórios. Será que todo o mundo este errado e apenas o Brasil certo?
2. Quais são as principais dificuldades enfrentadas pelas empresas para realizar essa fase da pesquisa no País?
Os órgãos e agências regulatórias tratam a população e sociedade brasileira como incompetente, inválida, ignorante e totalmente incapaz. É o mesmo conceito antigo de que não nos deixavam votar, para nos proteger, porque não sabíamos votar. O país precisa sim ter um sistema ético/regulatório que proteja sua população e seu interesses. Entretanto, isso precisa ser apolítico, apartidário e comprometido única e exclusivamente com o melhor para nossa população. O que significa proteger a ética com agilidade e resolutividade. E isso quem decide deveria ser nossa população e não, quem se julga acima de tudo e de todos e usa a ética para justificar atrasos e lentidão. Isso é uma crítica muito mais ao sistema e aparelhamento de suas rotinas, do que necessariamente a pessoas, já que não temos controle de quem ocupa cada cargo e seria antiético generalizar. Novamente, o conceito antigo de que drogas em pesquisa clínica são sempre experimentais e de alto risco não se aplica hoje.
Vejam o exemplo de pacientes com um tipo de câncer de pele muito agressivo, o melanoma que acomete e mata frequentemente adultos jovens. Existe um anticorpo monoclonal para pacientes com melanoma metastático em desenvolvimento pela da MERCK (MSD). Trata-se do Prembolimumab, em fase I da pesquisa clínica, o maior fase I do mundo. Esta droga já esta em uso em mais de 300 pacientes por todo o mundo, praticamente nenhum brasileiro teve acesso. Destes mais trezentos pacientes, mais da metade, 54% estão vivos porque tiveram acesso a esta droga. Outra droga inovatória para o mesmo perfil de pacientes, o Nivolumab da Bristol (BMS) também tem mais de 50% de pacientes vivos. Isso pelo mundo, mas não no Brasil onde nossa população ainda recebe a Dacarbazina, droga desenvolvida nos anos 1970 com menos de 5% de taxa de resposta. Em nosso país, dos pacientes que tiveram melanoma metastático, tem, ou vão vir a ter nos próximos anos, menos de 10% vão ter a oportunidade de estarem vivos, um anos após o diagnóstico de doença disseminada. Porque no mundo mais de 50 ou 60% dos pacientes podem estar vivos após um ano e no Brasil menos de 10%. Somos piores do que os outros países? Não. Nossos casos são mais graves do que os dos outros países? Não. Simplesmente porque nosso processo regulatório é tão lento e imprevisível que as empresas que pesquisam e desenvolvem novas drogas mundialmente gostariam, mas não disponibilizam estas pesquisas ao Brasil pela nossa burocracia e atraso. Mencionei apenas o exemplo de uma doença e duas drogas. Apenas para melanoma poderia ter mencionado também: Vemurafenib, Dabrafenib, Trametinib, Ipilimumab que poderiam ter ajudado mais nossos pacientes e mesmo nosso país se o nosso sistema regulatório não fosse tão antiquado. Imaginem que esta ineficiência Brasileira se repete para centenas de outras doenças que tanto precisam de inovações como diabetes, hipertensão, Aids, AVC,hepatite, outros cânceres, Alzheimer … o que envolve dezenas de milhares de produtos que poderiam estar sendo desenvolvidos e pesquisados também no Brasil.
Se tivéssemos mais pesquisas clínicas no Brasil, isso não apenas beneficiaria nossa população disponibilizando a ela a acesso a drogas inovatorias, como poderia beneficiar a sociedade já que todo o custo das medicações, exames e outros é bancado pela empresa e não governo e prestadores de saúde. Além disso, nossos pesquisadores, médicos, centros de pesquisa e sociedade como um todo estariam mais inseridos no processo de pesquisa clínica gerando recursos, conhecimento, massa crítica e mesmo produtos e processos brasileiros.
3. A pesquisa geralmente é realizada no País ou no exterior? Caso seja no exterior, qual é o impacto financeiro para a empresa?
Grande parte, senão todas as pesquisas de produtos e tecnologias estratégicas são conduzidas no exterior. Possivelmente a maioria das empresas que detém os processos e patentes gostaria de estar mais presente e realizando muitas destas pesquisas no Brasil. Nosso ambiente regulatório não incentiva isso, muito pelo contrário repele isso.
O impacto financeiro do que perdemos é grande, enorme. Existem dados concretos que mostram que o processo de pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos movimentava cerca de 40 bilhões de dólares por ano nos anos 90, mais de 70 bilhões de dólares por ano na década passada e possivelmente mais de 100 bilhões por ano atualmente. Quanto à participação do Brasil não existem dados concretos, mas é tão insignificante que imagina-se que seria de menos de 0,1% deste montante.
Termino como comecei. Não precisamos de grandes investimentos para deixarmos de ser um anão na pesquisa clínica mundial e nos tornarmos um gigante. Precisamos apenas de manter nossos compromissos éticos e morais com um ambiente regulatório ágil, confiante e moderno.