O Estado de S.Paulo
O Brasil perdeu o passo na globalização, continua uma das economias mais fechadas do mundo e participa muito menos que outros emergentes das cadeias produtivas, como confirma o novo relatório anual da Organização Mundial do Comércio (OMC). Embora ainda seja uma das dez maiores economias do mundo, na sexta ou sétima posição pelo valor de seu Produto Interno Bruto (PIB), permaneceu no ano passado em 22.º lugar na lista dos exportadores de bens, de acordo com o relatório. Já ocupava essa posição em 2012, sem avanços importantes ao longo dos últimos dez anos. O documento daria um retrato mais informativo e ainda mais feio se mencionasse também alguns detalhes, como a vinculação do Brasil a um emperrado Mercosul, a dependência da Argentina para as exportações de manufaturados e sua situação quase colonial no intercâmbio com a China, como fornecedor de matérias-primas trocadas por bens industriais.
O relatório da OMC confirmou, nos aspectos essenciais, o diagnóstico já publicado no Brasil pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Segundo o estudo intitulado Comércio e Protecionismo em Bens Intermediários, do pesquisador Flávio Lyrio Carneiro, a abertura comercial do País pouco avançou nos últimos 20 anos, depois de um ensaio de liberalização. Em 2003, a tarifa média de importação ainda era de 13,62%. Em 2012 continuava muito alta, de 12,96%. A tarifa para bens intermediários – incorporados na produção de outros bens – passou de 12,01% para 10,96% nesse intervalo. A evolução foi muito mais sensível em outros emergentes e essa é uma das explicações para sua maior integração nas cadeias produtivas internacionais.
A expansão das cadeias globais de valores, com crescente presença dos países em desenvolvimento, é uma das quatro grandes tendências apontadas no relatório da OMC. As outras são o aumento da participação dos países em desenvolvimento na economia mundial, a valorização dos produtos agrícolas e dos recursos naturais e, como consequência da maior integração, o impacto cada vez mais amplo dos choques macroeconômicos.
Os países em desenvolvimento agora participam com cerca de metade do comércio de bens intermediários e isso é considerado um indicador de sua presença nas cadeias internacionais de produção. O intercâmbio Sul-Sul corresponde a um quarto das trocas desse tipo de mercadorias. Curiosamente, nos últimos 12 anos a diplomacia comercial brasileira privilegiou a integração comercial com economias emergentes e em desenvolvimento, mas essa orientação foi muito mais ideológica do que pragmática. O Brasil se envolveu em poucos acordos comerciais, geralmente com mercados pouco significativos, e continua à margem da maior parte das grandes transformações ocorridas no comércio global. Segundo o estudo da OMC, o Brasil é uma das três grandes economias, juntamente com Argentina e África do Sul, com menor participação nas cadeias de valor. A própria OMC já havia chamado a atenção para isso, alguns anos antes, ao dedicar um estudo especial a essas cadeias.
Para medir essa participação, os pesquisadores levam em conta o uso de insumos estrangeiros na produção de bens exportados por um país e o emprego de bens vendidos por esse país nas mercadorias exportadas por terceiros. A combinação desses valores correspondeu em 2008 – último dado incluído na pesquisa – a cerca de 40% do valor exportado pelo Brasil. Numa lista de 30 países desenvolvidos e em desenvolvimento, 25 apresentaram indicadores maiores que o brasileiro.
Presença nas cadeias globais de valor tende a proporcionar, para economias emergentes e em desenvolvimento, mais investimentos diretos estrangeiros, maior absorção de tecnologia, ganhos de produtividade e maiores oportunidades de geração de empregos de alta qualidade – além, é claro, de melhores condições de crescimento. A escassa participação nas cadeias produtivas globais coincide claramente, no caso brasileiro, com estagnação industrial, baixo poder de competição e produtividade emperrada. Não há surpresa nessa coincidência.